xmlns:og='http://ogp.me/ns#' A dez quadras daqui.: abril 2014

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Palestina #4 Demolindo casas



Ontem, as 4:55 da manhã recebemos uma ligação aflita do nosso motorista: o exército israelense estava em Tawayel (ou Tell All Khashaba) com ordens de demolição para a mesquita da vila. No susto, nos arrumamos e fomos correndo pra lá. Há mais ou menos 1km da vila, fomos parados por soldados, armados até os dentes, fomos questionados sobre o que fazíamos lá, verificaram nosso passaporte e mandaram a gente voltar para o topo do morro por que ali, naquele momento foi decretado provisoriamente "área militar fechada". Voltamos, e enquanto isso, ainda noite, vimos de longe uma escavadeira começando a demolir a mesquita. O oficial (que descobrimos não ser do exército, mas da policia de fronteira), então, chamou um dos EA's (Acompanhante Ecumênico), o Jan, pra fazer algumas perguntas e ele falou sobre mais 8 casa que seriam demolidas ali. A gente não acreditou. Sim, ao sairmos do carro, vimos mais 3 escavadeiras e elas já estavam demolindo as outras casas da vila.
No total foram 3 casas, 2 abrigos de animais, banheiros, a mesquita, a cisterna, caixas d'agua.




Ficamos durante 3h esperando a liberação pra podermos ir para Tawayel, enquanto mais organizações, pessoas e jornalistas chegavam esperando pra saber o que acontecia lá embaixo. Na nossa volta 50 policiais com M16 e lançadores de bombas de gás. Lá embaixo mais 250.
Meio difícil de entender o por que de 300 policiais pra demolir as casas de 30 pessoas, sendo amaioria crianças. Também difícil entender por que proíbem todos de chegar perto, ou de saber como estão as pessoas despejadas.





Ao descermos o morro, as 8:15, não tinha muito o que dizer. Tudo no chão, as pessoas na volta querendo saber o que tinha acontecido, vários fotógrafos de jornais tirando fotos de todos os ângulos, as pessoas apavoradas.



Após algumas horas eu a a Sarah, outra EA, fomos conversar com as mulheres de uma das casas demolidas. Conversar não é bem a palavra já que meu árabe praticamente inexiste e a Sarah sabe algumas (boas) palavras. Fomo lá ficar com elas. E aí vem um grande ponto: elas estavam numa caverna, onde elas fazem o dibni (queijo de cabra) e nos receberam com queijo, pão de taboon, e leite. Nos mostraram como elas faziam a última etapa do queijo, e foram muito, muito amáveis. Voltamos um pouco pra ver como andavam as coisas lá fora e fomos novamente conversar com as mulheres. Dessa vez já haviam algumas outras pessoas, e um homem (o único que falava inglês) que começou a nos contar mais ou menos a história. Não foi muito tempo até todo mundo começar a sentir, a entender o que estava acontecendo.
Foi dolorido, é o que posso dizer.
A vila é localizada em área C, isso quer dizer que é território liderado por Israel, logo, não é autorizada construção nessa área e comumente as construções nessas áreas são demolidas. Em 2008 as casas receberam ordem de demolição, mas por várias decisões da justiça eles conseguiram mais tempo, mas  "mais ou menos a cada três meses, ele tem essa celebração", como disse o prefeito de Aqraba, sobre as constantes demolições desde um ano atrás.


Também é em área C que está a maior parte do Vale do Jordão, onde é a área de treinamento do exército, e as colônias ilegais israelenses.

Após algumas horas a Palestine Red Crescent Society chegou com 4 barracas para as famílias desabrigadas. Sei o quanto isso ajuda, mas ver os homens montando as barracas ao lado das casas demolidas, foi cruel. Pensar que aquelas famílias simplesmente vão ficar morando em barracas nesse verão foi demais pra mim. Cada vez fico mais chocada com o que vejo aqui, com a injustiça, a humilhação causada pelos israelenses sobre o povo palestino.


Queria terminar o texto de alguma forma legal, mas só me vem uma coisa a cabeça:
End the Occupation.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Palestina #3 Indo pra escola, a parte boa!

Uma coisa que existe aqui na Palestina que não é muito comum por muitos lados é a perseverança. Sério, eita povo forte!

Não é como fazer 1 mês de protesto e esperar uma ou outra coisa mudar. É fazer o mesmo protesto todos os dias por anos, levar bomba de gás, ser preso, agredido, e continuar lutando pelos seus direitos.

E ontem, depois de escrever o que acontece nas escola aqui resolvi colocar o outro lado da história também. Não vá pensando que tudo está perdido, a gurizada da escola se diverte aqui também (e nós, consequentemente).

Segunda passada na escola de As-Sawia aconteceu um m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o evento esportivo, rsrsrs. Vários exercícios coordenados pelo prof de educação física. O mais lindo foi o primeiro, que (óun) eles formaram a bandeira da Palestina.



Depois, teve uma apresentação que, bem, não tenho ideia de onde classificar... ginástica? Equilibrismo? 



E aí a incrível apresentação de Dabca, a dança tradicional daqui da terrinha! Muito, muuuito massa!




Aí, já não bastava estar legal, teve uma partida de basquete dos professores e funcionários com o EAPPI! Yes! Há dias eu não ria tanto! (é, eu fiquei filmando e fotografando). Só não me pergunte quem ganhou...



E hoje na escola em Burin, quando nós chegamos, eles estavam jogando basquete também! Alunos contra professores (e convidados, mas dessa vez ninguém do EAPPI entrou. Opa! Sim! Ghassan, nosso motorista tava lá arrasando).







 Acho que é isso, e pra terminar, uma das melhores mensagens que ouvi sobre educação aqui na Palestina. E sim, a gente pode ver em todo lugar a relação dos professores e diretores com os alunos e ela é simplesmente maravilhosa.

Beijos, e que tudo fique melhor.



quarta-feira, 23 de abril de 2014

Palestina #2 Indo pra escola

CONCENTRE-SE. CONTE A HISTÓRIA.

Até onde eu me lembro, ir pra escola era muito legal. Todo dia era um horror pra sair da cama, mas depois de chegar na escola e estudar (ou conversar, ou ir pra educação física, qualquer coisa...) tudo passava. Acredito também que não tenha acontecido nenhum grande incidente na escola enquanto es estudei além de alguma briga de adolescente no pátio, ou alguém escorregar no ovo e quebrar a perna, rs.
Aqui na Palestina a escola também é um lugar legal pra ir, a gurizada vai de manhã com toda pilha, dando trezentos "his" pra gente, e também uns "sabah el kheer" (ou de outra forma que se transcreva bom dia em árabe) e perguntando nossos nomes e como nós estamos. Os profs são muito bons, o ambiente também... Mas peraí... tem algo errado na parte do ambiente.

Aqui nós fazemos presença protetiva em 3 escolas de vilas próximas e acompanhamento das crianças daqui de Yanoun até elas entrarem na van escolar.

PAUSA. CONCENTRE-SE PRIMEIRO EM RECEBER A MENSAGEM

  • Em Yanoun a escola tem apenas 7 alunos que moram consideravelmente perto da escola. Só que em volta de Yanoun existem 3 colônias ilegais israelenses e há algum tempo atrás os colonos desciam para assustar as crianças na ida pra escola e elas começaram a ficar com medo de pegar o ônibus. Desde então todos os dias pelas 07h da manhã alguém do nosso grupo vai até perto das casas até as crianças entrarem na van.
  • Em As-Sawia nós fazemos um acompanhamento 2 ou 3 vezes por semana, dependendo de como andam as coisas durante a entrada da escola pois comumente soldados israelenses fazem guarda em frente a escola para amedrontar as crianças. As vezes eles fazem "flying checkpoint" que são como blitz, próximos a escola e revistam crianças e professores, sem exatamente um motivo para fazer isso. Há algum tempo atrás eles invadiram a escola (bombas de som e gás lacrimogênio inclusos no pacote) e detiveram um menino o acusando de ter jogado pedra em colonos. Há pouco mais de duas semanas o exército não aparece lá. Estamos todos felizes.
  • Em 'Urif vamos a cada 2 ou três semanas, pra acompanhar, por que ultimamente as coisas estão calmas lá. A escola já foi alvo de ataques de colonos (na nossa primeira visita em 'Urif vimos um vídeo desse dia e digo que sim, é assustador. Eles gritam e jogam pedras e chamam o exército pra protege-los de qualquer reação pelo lado palestino) e do exército também. Mas há algum tempo existe uma obra de encanamento ao lado da escola, patrocinada pela US Aid, e a US Aid com medo que alguém quebrasse a as obras que beneficiam os palestinos, colocaram câmera na escola. Agora eles estão oficialmente protegidos, ou se não protegido, pelo menos qualquer agressão será registrada por uma organização internacional.
  • Por fim, existe a escola para garotos em Burin que só na última semana foi atacada pelo exército 2 vezes. Quinta feira passada após uma manifestação feita no dia anterior na vila, o exército parou uma obra de estrada e montou um flying checkpoint em frente a escola durante a entrada dos alunos. O costume é de os soldados provocarem os alunos esperando que eles respondam ou joguem pedras para eles poderem prender (sim, lembra, eles prendem crianças) ou atacar as crianças. Mas quando os professores veem os soldados eles fazem o máximo para as crianças entrarem o mais rápido possível sem conflito. Só que nem sempre fica por isso mesmo. Nessa quinta, assim que todos alunos entraram e os professores fecharam os portões, o exército jogou 2 bombas de som dentro do pátio da escola. Nessa segunda, após um dia maravilhoso na escola em As-Sawia, recebemos uma ligação do diretor da escola de Burin dizendo que o exército estava lá querendo invadir a escola...
PAUSA.

(Antes de terminar de contar a situação, só quero que por trás dos olhos, na mensagem passada esteja a sua lembrança de ir pra escola, estar lá e voltar pra casa são e salvo.)

CONTINUA.

  • ...Quando nós chegamos haviam 4 Jeeps com soldados armados até os dentes. Pouco antes de a gente chegar eles lançaram 2 bombas de som e 4 de gás lacrimogênio dentro do pátio da escola. O motivo?
PAUSA.
RESPIRAÇÃO LONGA, BOCA FECHADA, OLHAR INTERNO.


  • Na hora do intervalo as crianças viram um carro parado no terreno atrás da escola. Esse terreno foi confiscado no início do ano, logo, se alguém está lá ou são colonos ou o exército. As crianças levam isso como provocação - já não basta terem roubado nosso terreno ainda vem aqui ficar olhando por cima do muro o que fazemos. Nesse dia não era o exército, nem algum colono, era um carro da polícia israelense. Os alunos, antes de os professores perceberem, começaram a atirar pedras em direção ao carro. Done. Poucos minutos depois, pra conter uma ou duas centenas de alunos, chegaram os 4 Jeeps, com soldados armados com suas M16 e jogando bombas na escola.
PAUSA. BUSQUE EMPATIA COM O PERSONAGEM.

  • Quando chegamos o oficial estava gritando com o diretor e professores e mais alguma pessoas da comunidade. O que ele disse foi: "se alguma outra vez eu ver algum aluno jogando pedras em alguém, pode ter certeza que eu vou ter soldados entre as árvores e vou atirar bem no meio do peito dele".
PAUSA.

  • Alguns minutos depois eles foram embora.
FIM DO TEXTO. MANTENHA A AÇÃO DENTRO DO SEU CORPO, MOSTRE NO OLHAR.

INSPIRE. PRONTO.

E eu só quero saber, como uma criança vai voltar a prestar atenção em aula depois de toda essa ameaça.
Só isso.


P.S.: Na foto um Jeep do exército atrás da escola, na terra confiscada, no lugar onde havia o carro da policia. Essa foto foi tirada logo que os 4 Jeeps foram embora da escola, quando nós chegamos lá.

sábado, 19 de abril de 2014

Palestina #1

Depois de 17 dias além mar, 5 dias em Yanoun, interior da Palestina, resolvi começar a colocar aqui algo do que vejo todos os dias.
Isso não quer dizer que desde o 1º dia aqui eu não quis escrever nada, muito pelo contrário, o que mais queria era escrever, mas sabe, escrever aqui na Palestina é mais difícil. É difícil não escrever algo cheio de sentimento, de raiva, angustia, amor, indignação, admiração. Tudo junto ou tudo separado. Aqui a vida é difícil.



Pra tentar situar alguma coisa por aí e por aqui (na minha cabeça), acho que começar com alguns conceitos e explicações pode ser bem interessante. então, aí vai:

Tô aqui na Palestina participando do EAPPI, ou em português Programa de Acompanhamento Ecumênico para Palestina e Israel. O que isso quer dizer? que não somos contra ou a favor de palestinos ou israelenses, somos a favor dos direitos humanos. Logo, qualquer violação dos direitos humanos que nós vermos será documentado e enviado para as organizações relacionadas.

O que acontece por aqui?
  • Crianças são presas (a criança mais nova presa aqui tinha 5 anos). Em As-Sawia, no inicio do ano, o exército israelense invadiu o colégio pra prender um menino que foi acusado de atirar pedras em colonos. Mas bem, o exército não tinha certeza de quem era (ou se era verdade) e escolheu um dos garotos da escola, simples assim.
  • Adultos e jovens são presos sem motivos durante protestos, incursões noturnas do exército em vilas, acusados de atirar pedras. Aqueles que são presos tem as mãos amarradas e os olhos vendados até chegar no lugar onde será questionado.
  • Existe um muro separando Israel da Palestina. Segundo as leis internacionais esse muro é legal se construído sobre as linhas de divisa dos países. Aqui o muro foi construído dentro o território palestino, ampliando o território israelense ilegalmente e separando pessoas de suas terras.
  • O exército ou a policia não tem poder sobre os colonos israelenses.





Também estamos aqui pra contribuir com o fim da ocupação ilegal da terra palestina feita por colonos israelenses. Como assim? Colonos?

  • Sim, ilegalmente israelenses apossam de terras de palestinos e constroem suas colonias residenciais ou agrícolas. Na região que estou, no espaço de 10 vilas palestinas existem 22 colonias ilegais.
  • Os colonos costumam ser agressivos, até hoje só ouvi uma história de colonos que vão fazer compras na vila mais próxima. A maioria anda armado e se vem algum palestino próximo ao que dizem ser "suas terras" normalmente ameaça verbalmente, agride e/ou chama o exército para tirar o palestino de perto. Usualmente o exército é tão agressivo quanto o próprio colono.
  • De vez em quando os colonos queimam ou cortam as árvores do moradores. Incontáveis vezes eram oliveiras centenárias.
  • O exército confisca áreas de terra para uso em treinamentos, especialmente no Vale do Jordão. Andando por lá o que mais se vê são áreas com placas de "perigo área de treinamento" sem nunca ver alguém treinando lá.
  • Acontece também de essas terras confiscadas, algum tempo depois, se tornar parte de alguma fazenda ilegal israelense.
  • Mesmo depois de alguns palestinos conseguirem de volta suas terras eles ainda são atacados, suas plantações destruídas ou bloqueadas.
  • Casas são demolidas sem justificativa.
A partir de hoje vou postar aqui tudo o que vejo, as vezes o que sinto e espero assim, mostrar pra quem quiser ver como é viver sob opressão.

Até mais, e sem peixes hoje.