xmlns:og='http://ogp.me/ns#' A dez quadras daqui.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O dia que meu mundo caiu.

Miraid e a neta olhando para os escombros de sua casa em Al Jiftlik.

Já começo essa história chorando.
De todos os dias que passei no Vale do Jordão, esse foi o pior.

Era uma terça feira, no início de novembro e nós estávamos fazendo pastoreio, num dia calmo e divertido - sentados numa rara sombra e tomado um chá bem doce.Quando as ovelhas já haviam comido o pouco que ainda restava de pasto no deserto do Vale do Jordão recebemos uma ligação avisando que o exército israelense estava em Al Jiftlik, executando duas ordens de demolição. Chegando lá, um contato nos avisou que nem adiantava ir até as casas, que o exército já havia declarado a área como "área militar fechada", que temporariamente faz com que ninguém possa sair ou entrar. Mas não custava tentar. Junto com alguns repórteres tentamos chegar próximo o suficiente para documentar o acontecimento, mas fomos seguidos por jovens soldados até o ponto que, no mapa mostrado por eles, era o começo da área restrita.(Nesse momento queria ter fotos melhores pra poder mostrar o quão jovens são os soldados. Ainda fico chocada em ver adolescentes com fuzis dando ordens militares).


Esperamos uma hora até o exército liberar o local, ouvindo o som das escavadeiras e dos escombros caindo. Quando, enfim, pudemos entrar na vizinhança, tive de novo a mesma sensação de quando vi At Tawayel ser demolida, fiquei completamente desolada. Então nós juntamos nossas forças e fomos fazer as perguntas de praxe, pra poder reportar o incidente."Quantas pessoas moravam nessa casa?" E Hadir, uma das moradoras, nos disse: "10. Temos duas crianças e uma das mulheres está grávida". Percebendo que não havia nenhuma mulher grávida perto de nós, perguntamos onde ela estava e ela nos disse que "na hora que que ela viu o exército dizendo que eles tinham meia hora pra tirar tudo da casa, que a construção seria demolida hoje, ela desmaiou e tiveram que chamar uma ambulância".

Hadir e ouras mulheres da comunidade em meio ao que foi tirado de dentro da casa.

A casa tinha sido construída 2 anos antes, o avô da família, Miraid, tirou um empréstimo pra construir uma boa casa pra todos morarem. Mas eles não tinham o "Taboo", o documento que comprova que a terra é deles desde ates da ocupação israelense. Eles foram notificados com uma ordem de demolição, recorreram na justiça, e, sem nenhum documento que comprovasse a palavra, lhes foi dito que a casa não seria demolida - pelo menos não por um tempo.

Miraid, em frente aos móveis e roupas tirados de sua casa.

A família de Miraid mora lá há 53 anos, e podiam cultivar até a borda do rio Jordão. Com o tempo a terra foi diminuindo, até virar 2 casas para a família toda. Eles também tinham 4 dunams (1dunam = 1000m²) em Ras Al Ahmar, que foram tomados, e agora é a colônia ilegal israelense Roi.
Vendo a tristeza nos olhos dele foi impossível não sentir uma angustia terrível, ter uma sensação de completa insegurança e a frustração de alguém, que como ele, trabalhou anos para Mekorot - companhia de água israelense e sempre teve uma boa relação até mesmo com os colonos que moram há poucos quilômetros da sua terra."Tudo bem se não quiserem ser meus amigos, mas me deixem ter a minha casa".




Em poucos minutos parecia que nossa energia já tinha se esgotado.Mas ainda tínhamos que ir para a ultima casa demolida, onde 4 pessoas moravam, e Halil, o dono da casa nos contou que teve que discutir com os soldados pois eles tentaram demolir uma outra casa que tinha ao lado, empurrando os escombros em direção à segunda construção.Ele nos contou tudo isso em meio a várias outras organizações que já estavam presentes lá, e infinitamente mais calejadas ao receber esse tipo de notícia.Todos sentados, conversando amigavelmente, enquanto um menino servia café a todos os "visitantes".
Ali também fomos avisados que o maquinário que estava a pouco tempo demolindo suas casas, tinha ido para uma vizinhança próxima e estava naquele momento demolindo mais uma casa.
Pegamos o carro e quando estávamos quase lá recebemos outra ligação de que o maquinário já havia saído e ido para uma quarta demolição, agora em Furush Beit Dajan.
Já estávamos emocionalmente esgotadas, querendo que aquilo tudo passasse logo, pra acordar e perceber que era um sonho - o que não era.

A terceira casa pertencia a uma família de 6 pessoas, 2 adultos e 4 crianças, sendo que Um Aram estava grávida do 5º filho. A casa era pequena e ela nos mostrou coisas que foram demolidas com a casa, pois não tiveram tempo de tirar tudo de dentro. Ela teve que tirar o que dava sozinha, pois seu marido havia ido pro sul naquele dia.



A quarta demolição, em Furush Beit Dajan, foi de um reservatório de água de uma fazenda de vegetais. A ordem de demolição foi dada para uma pequena sala construída colada ao reservatório, que foi construída sem permissão. A sala foi demolida e o reservatório danificado de uma forma que não é possível arrumar sem demolir tudo e construir de novo.Basam e Kasam, os proprietários, nos disseram que tem documentos comprovado que a terra é deles, mas infelizmente os pedidos de permissão para construir são sempre negados (no último ano em média 2% de permissões foram aceitas, sendo que parte delas era para legalizar famílias que a haviam sido forçadas a sair de suas terras para irem para locais designados pelo governo israelense).
E apesar desse dia horrível que essas famílias tiveram, Kasam nos serviu café, e quando pedimos para ele se poderíamos tirar uma foto dele em frente ao que foi demolido, ele abriu um sincero sorriso e disse "sim".


Oito horas depois, quando voltávamos pra casa, nós duas com lágrimas silenciosas escorrendo, nosso motorista dá um suspiro e fala: "Vocês sabem, gurias, que eu vejo vocês assim, mas eu não consigo sentir nada. Eu já vi tanto disso acontecer que mais nenhuma lágrima cai".

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Palestina 2017 #02

11/dez/2017

Adi




Adi, essa é a palavra que nós mais ouvíamos na Palestina:

"Nós não temos acesso à água, nem a eletricidade" e a gente perguntava o por que, e recebia olhares estranhos e a resposta logo vinha: "Adi".
"Como vocês se sentem com o exército israelense treinando no pátio da sua casa com um tanque de guerra?" e a resposta, novamente: "Adi".


"Adi" quer dizer normal em árabe.

Costumávamos dizer que lá tudo é extremo. E extremamente normal.

Os Palestinos vivem sob ocupação desde sempre. Pra eles é "adi". Mas o que faz a ocupação israelense diferente?
Não é ilegal um país ocupar o outro, mas no momento que isso ocorre o país ocupante tem o dever de manter o país ocupado no seu ritmo, fornecendo direitos básicos e possibilitado o país de seguir sua evolução. O país ocupante também não pode transferir sua população para dentro do país ocupado.

Em 1967, Israel, além de anexar a parte oriental de Jerusalém, começou a ocupação militar da Cisjordânia (um dos territórios palestinos, junto com Gaza). A partir de então colônias israelenses começaram a se formar dentro da Palestina. Mehola, a primeira colônia, foi legalizada pelo governo israelense por se adequar em "questões de segurança" - termo que mais se ouve quando se fala nas justificativas dadas pelo governo israelense por qualquer ação que não teria justificativa. Como Mehola, construída em território roubado de palestinos, fica no vale do Jordão, na fronteira com a Jordânia, seria um ótimo posto de observação caso os jordanianos resolvessem atacar Israel. Agora, segundo o Peace Now, existem mais de 200 colônias (legalizadas ou não pelo governo israelense) e por volta de 400.000 colonos vivendo ilegalmente na Palestina.
Os direitos básicos também são negados. Em pequenas vilas não há água encanada e a população não pode construir poços de coleta. Nas vilas e cidades maiores a água oferecida é em média 70 litros por pessoa, 30 l a menos que o indicado pela ONU. Casas em área C, não podem ser construídas ou modificadas. Nem abrigo de animais, nem banheiros, nem tendas ou barracas.

E tudo isso, acontece há tanto tempo, e com tanta frequência, que virou "adi".

P.S.: Na foto estão Abu Halaf, Burham e seu filho, moradores do Vale do Jordão, em frente a tenda em que moram desde 2013, após a vila inteira ter sido demolida pelo exército israelense.

(fica difícil escrever pouco, desculpa se parece pela metade, mas aos poucos acho que consigo escrever o que aprendi lá, e estou aberta a perguntas e encontros pra falar sobre o mudo de lá)



14/dez/2017


No Diário Popular 

Em outubro a Laura Marques fez essa entrevista linda comigo, enquanto eu estava lá na Palestina. Na época eu não pude divulgar, pois não deveria postar nada sobre o conflito enquanto estava lá.
Agora que tô de volta, ai vai a belezura!

(e valeu Augusto Barros por lembrar de mim!)


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Palestina, eu voltei! + postagens do facebook 2017 #01



Depois da felicidade de ter voltado à Palestina, transcrevo aqui as postagens do facebook (grandes, pequenas, comentários; uma forma de arquivar e compartilhar).


29/nov/2017

Mahyoub


Depois de três meses entre a Palestina e Israel, enfim, posso começar as postagens sobre o trabalho da EAPPI.
Nesse tempo, tive a oportunidade de conhecer a cultura e a forma de vida dos moradores do Vale do Jordão e a forma como a ocupação ilegal israelense afeta as comunidades, restringe acessos básicos, como à água, eletricidade e também acesso as suas terras, a educação entre outros.

Com o tempo vou explicando mais detalhes da ocupação, os termos usados e contando histórias de pessoas maravilhosamente fortes que conheci lá:

Na foto está Mahyoub, um pastor de ovelhas e cabras, que vive ao norte do Vale. Ele e sua família vivem entre uma cidade próxima - onde a esposa fica com os filhos durante a semana, para eles poderem ir à escola - e Khirbet Samra.
Nós acompanhamos ele no pastoreio e ele calmamente nos mostrava o que o cercava: um campo militar israelense no morro acima da vila, as colonias ilegais do outro lado do morro, e um novo outpost (terras roubadas por colonos israelenses usadas para moradia ou cultivo) dentro das terras da sua família. Há algum tempo ele já não pode pastorear para aquele lado sem ser ameaçado pelos colonos ou expulso pelo exército israelense.



08/dez/2017

Jerusalém é capital de que país?

Há pouco mais de uma semana, quando sai de Jerusalém pra voltar pra casa, vi alguns cartazes e faixas espalhados pelo lado oeste, pedindo para que Trump mudasse a embaixada de lugar e reconhecesse Jerusalém como a capital de Israel.
Lembro que no dia ainda ficamos na dúvida se ele seria capaz disso. Bem, parece que ele não tinha dúvida nenhuma.

Quando Israel foi criado, Jerusalém foi dividida: o lado ocidental seria parte de Israel e o oriental do estado palestino (que até hoje não foi reconhecido). Em 1967, quando o governo israelense decidiu ocupar a Cisjordânia, um dos primeiros passos foi anexar o lado oriental de Jerusalém ao seu país, contrariando as decisões da ONU. Existiam projetos também para tornar Jerusalém uma cidade independente, como é o Vaticano, considerando sua importância para três grandes religiões - cristianismo, judaismo e islã - visando evitar conflitos.
Quando um país como os EUA aceita a mudança da capital de um país em conflito, usando argumentos falhos como Israel ser "uma das mais bem sucedidas democracias do mundo", ele está, mais que tomando um lado, mas negando anos de esforços de tantos países e organizações para que o conflito Israel-Palestina possa ser solucionado.
Hoje o conselho de segurança da ONU fará uma reunião de emergência para discutir o assunto, mas sinceramente, não sei o que eles podem fazer após essa declaração.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O homem é bom?

O tempo voa, a gente faz um milhão de coisas e quando vê já passou mais uma semana! Cheguei a comentar um pouco sobre meu belo dia de descanso na Palestina (fui até o famoso Mar Morto, visitei um incrível sítio arqueológico -o Palácio de um Kalifa do século oito- e 'turistei' pela boa e velha Jericó) mas não falei mais nada sobre o meu trabalho aqui. Claro, o cansaço e a falta de tempo colaboraram, mas não foi só isso. A dificuldade em processar certos acontecimentos do dia anterior aquele sábado de folga foi o que, principalmente, me manteve longe do teclado...

Mas, antes tarde do que nunca: vamos aos fatos. Naquela sexta-feira, fomos a Al Aqba, um vilarejo no extremo norte da Palestina, encontrar duas famílias que tiveram estruturas demolidas pelo exército israelense; uma teve seu abrigo de animais demolido enquanto a outra teve sua casa destruída (nesta época o exército estrategicamente promove mais demolições pois é o início do inverno e das chuvas). Mas essa não foi a pior parte.

Sabíamos o que nos esperava nessa vila (e por pior que possa parecer, eles estão acostumados com as demolições), fora o fato dela estar situada em um vale cercado por morros declarados área de treinamento militar israelense (sim, eles promovem tiroteios frequentes sobre as cabeças dos palestinos. Faz parte do dia-a-dia). Mas, como se isso não fosse suficientemente chocante para um belo e ensolarado dia de Novembro, recebemos outra notificação,esta sobre a demolição de três abrigos agrícolas.

Abdallah Sawafta observando os escombros.

No centro de Bardala, outro vilarejo da região norte, conversamos com um amigável senhor de 80 anos, Abdallah Sawafta, que pôde nos guiar facilmente até o lugar do incidente. Ao chegar lá, descobrimos que o objeto das demolições não eram tendas para equipamentos agrícolas. Eram casas. Sim, seis casas de pequenos agricultores, cada família com cerca de três crianças com idades entre 2 e 15 anos, sendo que duas famílias com crianças de colo, uma delas com apenas alguns dias de vida.


Foi estarrecedor. Mesmo se tivéssemos alguma informação anterior, eu jamais estaria suficientemente preparado. Conversamos com as famílias, documentamos seus relatos e vimos os escombros depois do acontecido. Cinco minutos. Foi o tempo que o exército estabeleceu para que retirassem seus pertences de dentro das casas. E para uma das famílias, nem 5 minutos: pudemos ver brinquedos, roupas e os poucos eletrodomésticos que tinham misturados aos escombros e a grande quantidade de sujeira (depois de demolir, a escavadeira utilizada no "trabalho" joga dejetos sobre os escombros para dificultar uma possível reconstrução). Isso acontece há anos aqui e eu já estava ciente mas, mesmo assim, ver com os próprios olhos um grupo de  famílias inocentes, que trabalham de sol a sol, ao lado de clareiras onde antes estavam suas casas (inclusive as fundações foram destruídas) foi assombroso. E mesmo após essa tragédia, eles ainda nos receberam carinhosamente com chá em frente as suas novas casas: tendas doadas pela Cruz Vermelha.


Após tudo isso, Abdallah nos convidou para um café na casa dele. Estávamos terrivelmente cansados mas mesmo assim achamos que era, no mínimo, de bom tom aceitar o convite. Ao chegar lá, fomos muito bem recebidos por sua família com café, chá e comida; sou obrigado a dizer que foi uma das melhores refeições que fiz por aqui, onde tudo na mesa era caseiro (e saído direto da plantação deles, obviamente). A casa estava cheia e Abdallah nos apresentou seus filhos, netos e netas pois era dia de reunir a família. Tivemos uma conversa inacreditável onde ele nos contou sobre a vida na comunidade atualmente e sobre os velhos tempos, cerca de 50 anos atrás, antes da ocupação. Nas palavras dele: "Hoje, os que vem de fora (os israelenses nos assentamentos ilegais) nos odeiam e nos atacam. Há muitos anos atrás, nós costumávamos viver em paz como uma única família. Os judeus frequentavam nossas festas e nós, as deles. Agora, tudo isso é passado."

Depois de um longo dia, entramos novamente no carro e voltamos em silêncio; cabeças cheias e corações pesados...

Folga!

Postado no Facebook, em 08/11/2014, às 16:05hs.

Depois de um mergulho relaxante no Mar Morto (mergulho não; porque não é pra mergulhar nem engolir a água, tava na plaquinha de aviso aos banhistas) e de um passeio pelo Palácio do saudoso Hishām ibn ʿAbd al-Malik (um lugar muito massa apesar de meio quebrado, mas não dá pra culpar o cara né, afinal, depois do terremoto de 747...) estou aqui curtindo um capuccino macanudo (porque nem só de café turco vive o homem na Palestina) no centro de Jericó. Umas gurias num papo animado com narguilé num canto, um casal aproveitando a tarde com café e shisha (que é como todo mundo chama o narguilé aqui, o qual é mania nacional, todo mundo cai dentro), uns guris de boa no outro e umas músicas árabes bombando no fundo. Ah, se estiver de bobeira aí, dá uma passada pra gente trocar dois dedos de prosa, tô na mesa do fundo (afinal, não é todo dia que eu tenho folga)! 

domingo, 9 de novembro de 2014

Visitando a Terra Santa


Já fazem 4 meses que voltei da Palestina e Israel, 4 meses sentindo uma saudades imensa de tanta coisa de lá. Agora que o Rafael está pelo EAPPI em Jericó, então, minha vontade de voltar é maior ainda.

Durante os 3 meses que estive no Oriente Médio vi e vivi tantas situações contrastantes, especialmente por estar circulando entre Israel, que é um país que se orgulha por suas semelhanças com alguns lugares europeus, e a Palestina, lugar onde se respira a cultura árabe. Situações como ser perguntado se você está armado para entrar em um shopping center em Tel Aviv a sentar e tomar um chá em uma tenda em meio ao Vale do Jordão. Visitei uma sinagoga na celebração do shabat e vi o exército israelense destruir uma mesquita.

Times de Yanoun e Jayyus em Burqin, Palestina, dentro de uma caverna construída para ser usada como igreja na época em que os cristãos eram perseguidos pelos Romanos.
Entre tudo isso (e mais um pouco) visitei lugares por conta própria, além daqueles que estavam dentro do programa do EAPPI.

Pretendo escrever um pouco sobre alguns lugares que eu fui. Alguns fazendo referências ao conflito, outros que fui somente para tentar descansar a cabeça de tantas situações chocantes que fazem parte do dia a dia dos palestinos.

Estes posts saíram da ideia de que a maioria das pessoas que vai para esses dois países não sabe exatamente o que está acontecendo, sabe pela televisão o que aconteceu em Gaza, mas não o que acontece diariamente na Cisjordânia. Pessoas que vão em grupos de turismo visitar a Terra Santa, que vão a Belém ou ao Rio Jordão e acreditam que isso tudo está dentro de Israel. E pra não restar dúvidas, sim, é tão possível pessoas atravessarem o mundo e não saberem onde estão que, pouco antes do Rafael ir pra lá, conversando com os pais de uns conhecidos descobrimos que eles estiveram lá, mas... O Rio Jordão fica em Israel! Nós não fomos pra Palestina. E depois de 20 anos de viagem feita eles descobriram que sim, estiveram na Palestina.

E até o próximo post!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

...mas diferente de todas as outras.

 Comecei a semana falando um pouco sobre semelhanças mas, agora, quero falar sobre diferenças. No Brasil eu trabalho como concursado em uma prefeitura gaúcha há 3 anos, de segunda a sexta, como fiscal de obras, fazendo vistorias para liberação de alvarás de funcionamento, monitorando obras em andamento, atendendo a denúncias de construção irregular entre outras atividades dessa ordem.

 Aqui, na Palestina, trabalho como voluntário em um programa humanitário internacional há 2 semanas e meia (e tenho mais 2 meses e meio pela frente), de segunda a segunda (mas com algumas folgas obrigatórias), provendo presença protetiva para comunidades vulneráveis, monitorando e reportando abusos aos Direitos Humanos e auxiliando palestinos e israelenses em seus esforços pela paz.

 Dito isto, segunda-feira meu grupo estava pronto para começar a semana com uma agenda bem planejada mas, como nem tudo são flores na vida, as coisas aconteceram de modo diferente e nossa primeira tarefa do dia foi atender a um incidente urgente: uma demolição de unidades residenciais em uma comunidade de beduínos não muito longe de Jericó. A cultura milenar dos beduínos faz parte do que é a Palestina e, por mais que eu esteja familiarizado com os problemas nesta terra há tempos (graças ao Fórum Social Mundial sediado em Porto Alegre há uns 10 anos atrás), acho que nunca estaria preparado o suficiente para o tipo de situação que estava prestes a encarar.

 Chegamos no local depois do acontecido, às 11hs (não tinhamos contatos locais, logo recebemos a informação tardiamente). Três amontoados de material retorcido deixavam claro o que acontecera. Algumas crianças apenas observavam com olhar meio perdido, outras corriam e brincavam sobre os escombros enquanto dois garotos, de pé, continuavam o que parecia ser sua lição de casa. Uma ong estava no local tomando notas e conversando com o representante da comunidade. Alguns homens estavam sentados em pedras, reunidos em silêncio, um clima denso de velório no ar...

 Em poucas palavras, o Mukhtar da comunidade nos explicou que, por volta das 9hs da manhã, o exército israelense apareceu (cerca de 25 a 30 soldados em jipes) escoltando duas escavadeiras e destruiram as casas de duas famílias e um abrigo para animais sem nenhum aviso prévio. O que é ilegal segundo as leis internacionais (vai contra a Quarta Convenção de Genebra) e, acredite se quiser, até contra as leis israelenses (que exigem que ordens de demolição sejam entregues antecipadamente, por mais injustas que elas sejam).
Foto por I. Tanner.
 Vivenciar essa situação esfacelou o meu dia; depois de passar cerca de uma hora naquela cena de filme, ouvindo o relato daquela gente e vendo os resultados dessa "ação militar" israelense (em território palestino), não pude mais funcionar propriamente. A noite, minha cabeça ainda estava tão cheia que, apesar do cansaço do dia, só consegui dormir perto do amanhecer. Hoje só consigo lembrar das palavras do nosso motorista, que ao me ver abalado na volta para o carro, depois do acontecido, disse: "Eu sei que é ruim, que é difícil. Mas esse é o nosso dia-a-dia. E pode ter certeza, em breve, tu te acostuma."

 E essa foi minha primeira segunda-feira de trabalho no Vale do Jordão, uma segunda como qualquer outra... Na Palestina.