xmlns:og='http://ogp.me/ns#' A dez quadras daqui.: ...mas diferente de todas as outras.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

...mas diferente de todas as outras.

 Comecei a semana falando um pouco sobre semelhanças mas, agora, quero falar sobre diferenças. No Brasil eu trabalho como concursado em uma prefeitura gaúcha há 3 anos, de segunda a sexta, como fiscal de obras, fazendo vistorias para liberação de alvarás de funcionamento, monitorando obras em andamento, atendendo a denúncias de construção irregular entre outras atividades dessa ordem.

 Aqui, na Palestina, trabalho como voluntário em um programa humanitário internacional há 2 semanas e meia (e tenho mais 2 meses e meio pela frente), de segunda a segunda (mas com algumas folgas obrigatórias), provendo presença protetiva para comunidades vulneráveis, monitorando e reportando abusos aos Direitos Humanos e auxiliando palestinos e israelenses em seus esforços pela paz.

 Dito isto, segunda-feira meu grupo estava pronto para começar a semana com uma agenda bem planejada mas, como nem tudo são flores na vida, as coisas aconteceram de modo diferente e nossa primeira tarefa do dia foi atender a um incidente urgente: uma demolição de unidades residenciais em uma comunidade de beduínos não muito longe de Jericó. A cultura milenar dos beduínos faz parte do que é a Palestina e, por mais que eu esteja familiarizado com os problemas nesta terra há tempos (graças ao Fórum Social Mundial sediado em Porto Alegre há uns 10 anos atrás), acho que nunca estaria preparado o suficiente para o tipo de situação que estava prestes a encarar.

 Chegamos no local depois do acontecido, às 11hs (não tinhamos contatos locais, logo recebemos a informação tardiamente). Três amontoados de material retorcido deixavam claro o que acontecera. Algumas crianças apenas observavam com olhar meio perdido, outras corriam e brincavam sobre os escombros enquanto dois garotos, de pé, continuavam o que parecia ser sua lição de casa. Uma ong estava no local tomando notas e conversando com o representante da comunidade. Alguns homens estavam sentados em pedras, reunidos em silêncio, um clima denso de velório no ar...

 Em poucas palavras, o Mukhtar da comunidade nos explicou que, por volta das 9hs da manhã, o exército israelense apareceu (cerca de 25 a 30 soldados em jipes) escoltando duas escavadeiras e destruiram as casas de duas famílias e um abrigo para animais sem nenhum aviso prévio. O que é ilegal segundo as leis internacionais (vai contra a Quarta Convenção de Genebra) e, acredite se quiser, até contra as leis israelenses (que exigem que ordens de demolição sejam entregues antecipadamente, por mais injustas que elas sejam).
Foto por I. Tanner.
 Vivenciar essa situação esfacelou o meu dia; depois de passar cerca de uma hora naquela cena de filme, ouvindo o relato daquela gente e vendo os resultados dessa "ação militar" israelense (em território palestino), não pude mais funcionar propriamente. A noite, minha cabeça ainda estava tão cheia que, apesar do cansaço do dia, só consegui dormir perto do amanhecer. Hoje só consigo lembrar das palavras do nosso motorista, que ao me ver abalado na volta para o carro, depois do acontecido, disse: "Eu sei que é ruim, que é difícil. Mas esse é o nosso dia-a-dia. E pode ter certeza, em breve, tu te acostuma."

 E essa foi minha primeira segunda-feira de trabalho no Vale do Jordão, uma segunda como qualquer outra... Na Palestina.

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