xmlns:og='http://ogp.me/ns#' A dez quadras daqui.: 2014

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O homem é bom?

O tempo voa, a gente faz um milhão de coisas e quando vê já passou mais uma semana! Cheguei a comentar um pouco sobre meu belo dia de descanso na Palestina (fui até o famoso Mar Morto, visitei um incrível sítio arqueológico -o Palácio de um Kalifa do século oito- e 'turistei' pela boa e velha Jericó) mas não falei mais nada sobre o meu trabalho aqui. Claro, o cansaço e a falta de tempo colaboraram, mas não foi só isso. A dificuldade em processar certos acontecimentos do dia anterior aquele sábado de folga foi o que, principalmente, me manteve longe do teclado...

Mas, antes tarde do que nunca: vamos aos fatos. Naquela sexta-feira, fomos a Al Aqba, um vilarejo no extremo norte da Palestina, encontrar duas famílias que tiveram estruturas demolidas pelo exército israelense; uma teve seu abrigo de animais demolido enquanto a outra teve sua casa destruída (nesta época o exército estrategicamente promove mais demolições pois é o início do inverno e das chuvas). Mas essa não foi a pior parte.

Sabíamos o que nos esperava nessa vila (e por pior que possa parecer, eles estão acostumados com as demolições), fora o fato dela estar situada em um vale cercado por morros declarados área de treinamento militar israelense (sim, eles promovem tiroteios frequentes sobre as cabeças dos palestinos. Faz parte do dia-a-dia). Mas, como se isso não fosse suficientemente chocante para um belo e ensolarado dia de Novembro, recebemos outra notificação,esta sobre a demolição de três abrigos agrícolas.

Abdallah Sawafta observando os escombros.

No centro de Bardala, outro vilarejo da região norte, conversamos com um amigável senhor de 80 anos, Abdallah Sawafta, que pôde nos guiar facilmente até o lugar do incidente. Ao chegar lá, descobrimos que o objeto das demolições não eram tendas para equipamentos agrícolas. Eram casas. Sim, seis casas de pequenos agricultores, cada família com cerca de três crianças com idades entre 2 e 15 anos, sendo que duas famílias com crianças de colo, uma delas com apenas alguns dias de vida.


Foi estarrecedor. Mesmo se tivéssemos alguma informação anterior, eu jamais estaria suficientemente preparado. Conversamos com as famílias, documentamos seus relatos e vimos os escombros depois do acontecido. Cinco minutos. Foi o tempo que o exército estabeleceu para que retirassem seus pertences de dentro das casas. E para uma das famílias, nem 5 minutos: pudemos ver brinquedos, roupas e os poucos eletrodomésticos que tinham misturados aos escombros e a grande quantidade de sujeira (depois de demolir, a escavadeira utilizada no "trabalho" joga dejetos sobre os escombros para dificultar uma possível reconstrução). Isso acontece há anos aqui e eu já estava ciente mas, mesmo assim, ver com os próprios olhos um grupo de  famílias inocentes, que trabalham de sol a sol, ao lado de clareiras onde antes estavam suas casas (inclusive as fundações foram destruídas) foi assombroso. E mesmo após essa tragédia, eles ainda nos receberam carinhosamente com chá em frente as suas novas casas: tendas doadas pela Cruz Vermelha.


Após tudo isso, Abdallah nos convidou para um café na casa dele. Estávamos terrivelmente cansados mas mesmo assim achamos que era, no mínimo, de bom tom aceitar o convite. Ao chegar lá, fomos muito bem recebidos por sua família com café, chá e comida; sou obrigado a dizer que foi uma das melhores refeições que fiz por aqui, onde tudo na mesa era caseiro (e saído direto da plantação deles, obviamente). A casa estava cheia e Abdallah nos apresentou seus filhos, netos e netas pois era dia de reunir a família. Tivemos uma conversa inacreditável onde ele nos contou sobre a vida na comunidade atualmente e sobre os velhos tempos, cerca de 50 anos atrás, antes da ocupação. Nas palavras dele: "Hoje, os que vem de fora (os israelenses nos assentamentos ilegais) nos odeiam e nos atacam. Há muitos anos atrás, nós costumávamos viver em paz como uma única família. Os judeus frequentavam nossas festas e nós, as deles. Agora, tudo isso é passado."

Depois de um longo dia, entramos novamente no carro e voltamos em silêncio; cabeças cheias e corações pesados...

Folga!

Postado no Facebook, em 08/11/2014, às 16:05hs.

Depois de um mergulho relaxante no Mar Morto (mergulho não; porque não é pra mergulhar nem engolir a água, tava na plaquinha de aviso aos banhistas) e de um passeio pelo Palácio do saudoso Hishām ibn ʿAbd al-Malik (um lugar muito massa apesar de meio quebrado, mas não dá pra culpar o cara né, afinal, depois do terremoto de 747...) estou aqui curtindo um capuccino macanudo (porque nem só de café turco vive o homem na Palestina) no centro de Jericó. Umas gurias num papo animado com narguilé num canto, um casal aproveitando a tarde com café e shisha (que é como todo mundo chama o narguilé aqui, o qual é mania nacional, todo mundo cai dentro), uns guris de boa no outro e umas músicas árabes bombando no fundo. Ah, se estiver de bobeira aí, dá uma passada pra gente trocar dois dedos de prosa, tô na mesa do fundo (afinal, não é todo dia que eu tenho folga)! 

domingo, 9 de novembro de 2014

Visitando a Terra Santa


Já fazem 4 meses que voltei da Palestina e Israel, 4 meses sentindo uma saudades imensa de tanta coisa de lá. Agora que o Rafael está pelo EAPPI em Jericó, então, minha vontade de voltar é maior ainda.

Durante os 3 meses que estive no Oriente Médio vi e vivi tantas situações contrastantes, especialmente por estar circulando entre Israel, que é um país que se orgulha por suas semelhanças com alguns lugares europeus, e a Palestina, lugar onde se respira a cultura árabe. Situações como ser perguntado se você está armado para entrar em um shopping center em Tel Aviv a sentar e tomar um chá em uma tenda em meio ao Vale do Jordão. Visitei uma sinagoga na celebração do shabat e vi o exército israelense destruir uma mesquita.

Times de Yanoun e Jayyus em Burqin, Palestina, dentro de uma caverna construída para ser usada como igreja na época em que os cristãos eram perseguidos pelos Romanos.
Entre tudo isso (e mais um pouco) visitei lugares por conta própria, além daqueles que estavam dentro do programa do EAPPI.

Pretendo escrever um pouco sobre alguns lugares que eu fui. Alguns fazendo referências ao conflito, outros que fui somente para tentar descansar a cabeça de tantas situações chocantes que fazem parte do dia a dia dos palestinos.

Estes posts saíram da ideia de que a maioria das pessoas que vai para esses dois países não sabe exatamente o que está acontecendo, sabe pela televisão o que aconteceu em Gaza, mas não o que acontece diariamente na Cisjordânia. Pessoas que vão em grupos de turismo visitar a Terra Santa, que vão a Belém ou ao Rio Jordão e acreditam que isso tudo está dentro de Israel. E pra não restar dúvidas, sim, é tão possível pessoas atravessarem o mundo e não saberem onde estão que, pouco antes do Rafael ir pra lá, conversando com os pais de uns conhecidos descobrimos que eles estiveram lá, mas... O Rio Jordão fica em Israel! Nós não fomos pra Palestina. E depois de 20 anos de viagem feita eles descobriram que sim, estiveram na Palestina.

E até o próximo post!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

...mas diferente de todas as outras.

 Comecei a semana falando um pouco sobre semelhanças mas, agora, quero falar sobre diferenças. No Brasil eu trabalho como concursado em uma prefeitura gaúcha há 3 anos, de segunda a sexta, como fiscal de obras, fazendo vistorias para liberação de alvarás de funcionamento, monitorando obras em andamento, atendendo a denúncias de construção irregular entre outras atividades dessa ordem.

 Aqui, na Palestina, trabalho como voluntário em um programa humanitário internacional há 2 semanas e meia (e tenho mais 2 meses e meio pela frente), de segunda a segunda (mas com algumas folgas obrigatórias), provendo presença protetiva para comunidades vulneráveis, monitorando e reportando abusos aos Direitos Humanos e auxiliando palestinos e israelenses em seus esforços pela paz.

 Dito isto, segunda-feira meu grupo estava pronto para começar a semana com uma agenda bem planejada mas, como nem tudo são flores na vida, as coisas aconteceram de modo diferente e nossa primeira tarefa do dia foi atender a um incidente urgente: uma demolição de unidades residenciais em uma comunidade de beduínos não muito longe de Jericó. A cultura milenar dos beduínos faz parte do que é a Palestina e, por mais que eu esteja familiarizado com os problemas nesta terra há tempos (graças ao Fórum Social Mundial sediado em Porto Alegre há uns 10 anos atrás), acho que nunca estaria preparado o suficiente para o tipo de situação que estava prestes a encarar.

 Chegamos no local depois do acontecido, às 11hs (não tinhamos contatos locais, logo recebemos a informação tardiamente). Três amontoados de material retorcido deixavam claro o que acontecera. Algumas crianças apenas observavam com olhar meio perdido, outras corriam e brincavam sobre os escombros enquanto dois garotos, de pé, continuavam o que parecia ser sua lição de casa. Uma ong estava no local tomando notas e conversando com o representante da comunidade. Alguns homens estavam sentados em pedras, reunidos em silêncio, um clima denso de velório no ar...

 Em poucas palavras, o Mukhtar da comunidade nos explicou que, por volta das 9hs da manhã, o exército israelense apareceu (cerca de 25 a 30 soldados em jipes) escoltando duas escavadeiras e destruiram as casas de duas famílias e um abrigo para animais sem nenhum aviso prévio. O que é ilegal segundo as leis internacionais (vai contra a Quarta Convenção de Genebra) e, acredite se quiser, até contra as leis israelenses (que exigem que ordens de demolição sejam entregues antecipadamente, por mais injustas que elas sejam).
Foto por I. Tanner.
 Vivenciar essa situação esfacelou o meu dia; depois de passar cerca de uma hora naquela cena de filme, ouvindo o relato daquela gente e vendo os resultados dessa "ação militar" israelense (em território palestino), não pude mais funcionar propriamente. A noite, minha cabeça ainda estava tão cheia que, apesar do cansaço do dia, só consegui dormir perto do amanhecer. Hoje só consigo lembrar das palavras do nosso motorista, que ao me ver abalado na volta para o carro, depois do acontecido, disse: "Eu sei que é ruim, que é difícil. Mas esse é o nosso dia-a-dia. E pode ter certeza, em breve, tu te acostuma."

 E essa foi minha primeira segunda-feira de trabalho no Vale do Jordão, uma segunda como qualquer outra... Na Palestina.

Uma segunda-feira como outra qualquer...

O texto abaixo foi minha primeira publicação a respeito desta aventura na Palestina, postado em 3 de Novembro de 2014, às 8:03hs de segunda-feira, no Facebook. Daqui para frente pretendo compartilhar essa experiência que estou vivenciando através deste blog, onde a Carina (que esteve aqui uns meses atrás) também expôs o que ela viu e sentiu na sua passagem por esta terra.

 Acordei não faz muito, com o barulho dos carros passando e das crianças correndo e gritando aqui na frente do prédio. Está calor e daqui há pouco mais tenho que tomar banho, engolir o café da manhã e sair, um monte de coisas para fazer. Uma segunda-feira como outra qualquer, não fosse o fato de que estou em Jericho, Palestina, a cidade mais antiga do mundo, a 260 metros abaixo do nível do mar.
Fazem umas duas semanas que aportei por estas bandas da dita Terra Santa e só agora consegui escrever algo aqui, pois é tanta coisa ao mesmo tempo que eu mal consegui parar para botar as ideias no lugar.

 Pretendo falar muito (muito mesmo) sobre o que eu tenho visto e experienciado aqui mas neste primeiro momento, o que mais me chama a atenção e quero compartilhar é a similaridade. Todo mundo no Brasil (pelo menos uma grande maioria) acha, graças ao que a mídia nos vende, que aqui é algum tipo de outro mundo, um lugar exótico totalmente diferente da nossa sociedade, quando na verdade tem tanta coisa parecida com o Brasil que eu fico de queixo caído. A alegria das pessoas, a correria do dia-a-dia, a hospitalidade... Claro que existem muitas diferenças, é óbvio, mas para mim o mais surpreendente no momento são as semelhanças.

 Eu realmente não sabia o que esperar quando vim para cá mas acho que a hospitalidade e a naturalidade com que eles recebem as pessoas aqui é incrível. Tenho sempre aquela sensação comigo de cidade do interior (mesmo no centro fervilhante de Jericó) onde todo mundo se conhece e está disposto a trocar dois dedos de prosa e te oferecer um mate na varanda. Só que aqui ao invés de mate, é chá ou café.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Palestina #8 - Aquilo que postei no Facebook II

Yanoun - Postado em 05/06/14




Ontem dois carros do exército Israelense estiveram aqui em Yanoun. Foram até o poço artesiano, os soldados andaram pela volta das árvores e quando perguntados nos disseram que "estamos fazendo aqui o mesmo que vocês, vendo esse lugar lindo. É lindo, não é?".
Acontece que aqui, quando o exército chega há sempre uma suspeita, pois raramente seus serviços são a favor dos Palestinos. Em área C, como é o caso de Yanoun sempre existe o medo de que a visita seja para deixar uma ordem de demolição para obras sem permissão ou que não se encaixem nas restritas regras de legalidade de obras aqui (deixando claro que conseguir uma permissão de obra em área C é praticamente impossível, de 2009 até 2012 de 1640 somente 37 foram aprovadas). Em área C não são construções ilegais aquelas que foram construídas antes da ocupação ilegal, em 67, depois disso, qualquer obra pode receber uma ordem de demolição que pode ser contestada, mas que normalmente só compra tempo antes da demolição, não a evita. Reformas também podem receber ordem para parar e caso continuem a casa receberá uma ordem de demolição.
A ordem de demolição comumente é deixada pendurada em uma arvore, colocada debaixo de uma pedra, ou algo similar em vez de ser entregue ao dono da construção a ser demolida. O soldado tira uma foto para comprovar que a ordem está lá, e vai embora. Em muitos casos o vento leva a ordem, os animais comem, as pessoas só encontram o papel no último dia dos 14 possíveis para recorrer. Ou não encontra e sua casa, abrigo de animais, banheiros são demolidos sem saber por que.
Pelo menos ontem, aqui, nós pudemos ficar um pouco mais tranquilos: nenhum papel, nada pendurado, nada lá. Enquanto isso ficamos aqui nesse lugar realmente "lindo, não é?" cuidando e esperando que nada aconteça.




Mak-Hul - Postado em 14/06/14



Por algum motivo uma parte do meu coração ficou em Mak-Hul. Junto com a Nami e família dela. Não posso dizer que falei muito com eles, nem que fiquei muitas horas, mas foi o suficiente pra ver o tanto de amor que essa família tem.
Ano passado, enquanto o Rafael tava aqui, a vila inteira foi demolida, logo depois as tendas e inclusive o caminhão que trazia as tendas foram confiscados. Com o que sobrou eles reconstruíram casas e abrigo pros animais e seguiram - da forma que deu - em frente. Desde o começo desse ano 74 ovelhas morreram por falta de abrigo, comida e água. A plantação de trigo não cresceu, por falta d'água - o um palmo de altura de trigo vai ser cortado para alimentar as ovelhas por algum tempo.
Esse ano não teve chuva suficiente pro trigo crescer e eles também não tem água encanada - apesar da encanação passar debaixo da vila levando água para o campo militar a mais ou menos 300 metro dali. Eles compram água a 20 NIS/m³. Em um mês são, no mínimo 900NIS (por volta de R$ 540) só de água.
Eles também não tem eletricidade, apesar de os postes que levam luz até o campo militar ficar a 15m das casas. Eles tem painéis solares doados pela universidade Al-Najah, em Nablus com apoio de organizações internacionais.
Eles não tem abrigo suficiente pro animais e nem podem contruí-los, pois estão esperando julgamento do caso pra saber se há risco de serem demolidas as estruturas de novo. O caso deveria ser julgado essa semana, mas foi adiado.
Eles estão no Vale do Jordão, onde várias vilas estão sendo demolidas, onde o governo israelense já declarou a vontade de anexação da área.
Mas o que eles tem, sumood, ninguém tira. Eles tem força. E eles tem uma família incrível, daquelas crianças que estão ali rindo, brincando e te fazendo lembrar que o mundo ainda pode ser um lugar melhor. Eles tem uns aos outros.
Eles tem a força dos Palestinos, e insh'Allah, eles vão ter os seus direitos de volta.

sábado, 31 de maio de 2014

Palestina #7 - Aquilo que postei no Facebook

Esse post é uma compilação de algumas coisas que escrevi no Facebook. A ideia é colocar tudo aqui no blog pra ficar mais fácil pra quem quiser ler, já que meu FB é fechado, e pra eu conseguir me organizar também.
Ficou longo, mas..
Hope you enjoy it!

Handover - escrito em 07/04/14



A foto é de uma frutinha selvagem que encontramos hoje lá no Vale do Jordão enquanto a gente ia ver uma nascente que ainda está funcionando pra distribuir água pros palestinos, mas que daqui uns tempos, quando ficar mais calor vai diminuir (ou esperamos que não, que esse ano seja diferente) por que os colonos pegam essa água pra irrigar suas plantações (eles são colonos e tem água encanada, mas pegam a água da nascente). Isso tudo depois de ir em Mak-Hul para acompanhar a plantação de oliveiras em uma terra recuperada por palestinos. Uma terra que foi tomada pelo exército israelense, mas que estava sendo tomado por colonos para plantação (ao lado do mesmo terreno já existe uma plantação ilegal). Como sempre o exército estava lá, e em algum momento tentou fazer com que as pessoas não plantassem em toda terra. Nós ficamos lá mais ou menos 3h, e logo que fomos embora o exército confiscou os caminhões de água dizendo que estavam em área militar. Ninguém tem como prever, parecia calmo quando fomos embora, mas o fato de não ter uma presença internacional no local foi o suficiente pra acontecer algo irregular.

Acho que é isso, e bem, apesar de tudo que está acontecendo aqui, é um lugar maravilhoso, com um povo incrível. E vocês deviam vir aqui, fazer queijo com a vizinha também.


Qaryut - escrito em 19/04/14


Era pra ter chovido, mas não choveu.
Um acordo de paz deveria ser assinado, mas não foi.
A bomba de gás lacrimogênio não deveria ser lançada, mas foi.
Uma criança foi presa, mas não devia.
Árvores foram cortadas, mas deveriam dar frutos.
Terra foi roubada, e deveria ficar com o dono.
Um pastor foi agredido mas no dia anterior ajudou o agressor.
O exército atirou bombas de gás na escola em vez de garantir a segurança dos estudantes.
Era pra tudo ser multiplicado, mas foi queimado.
Era pra ser de todos, mas agora, é só de alguns.
Era pra ser lindo, mas agora é opressão.
Era pra ser uma oração, mas ontem choveu bombas de gás em Qaryut.



A foto é da primeira vez que fomos a Qaryut, aqui na frente a mesquita e lá atrás uma colônia ilegal israelense. Ontem fomos ao protesto como presenta protetiva aos moradores da cidade que tiveram as terras e a estrada confiscada pelo exército. O protesto era simples, fazer a oração do meio dia na terra confiscada e voltar para casa. Mas lá, antes mesmo de a gente chegar o exército israelense já estava no morro, impedindo o povo de descer até a estrada. Foi lindo, eles oraram e no final, em inglês, falaram pro exército que eles tinham acabado e estavam voltando pra suas casas, e que na próxima sexta lá estariam eles de novo, pra lembrar que a terra é deles. Nessa mesma hora um conhecido passou e disse "EAPPI, agora é melhor vocês subirem, pro bem de vocês". Nem mesmo cinco minutos depois, quando o povo já estava há uns 200 m do ponto da oração, o exército começou a lançar bombas de gás entre nós e pra cima do morro onde alguns esperavam e pra onde a gente deveria ir.
Sabe, bomba de gás dói, muita gente sabe disso. Bomba de gás quando não se tem motivo algum pra sentir a fumaça dói mais. Mas bomba de gás toda vez que você busca o seu direito dói mais que só na hora, dói dentro, dói na alma, na mente. E aqui, sempre é hora de bomba.

Bethlehem - escrito em 08/05/15


Essa é a paisagem da janela do meu hotel aqui em Belém. Do lado de cá os palestinos, do lado de lá os israelenses. Um pouco mais a direita um checkpoint por onde as pessoas que trabalham do outro lado do muro tem que passar todos os dias, passando por filas gradeadas, detectores de metal e mostrando sua permissão para a travessar.
Algumas vezes acontece de o soldado não deixar a pessoas cruzar sem nenhum motivo aparente. As vezes a pessoa descore que faz parte de uma lista negra. AS vezes ela pode ser irmã de quem está na lista negra. As vezes o soldado só não está afim de fazer rapidamente o trabalho.
A construção do muro não é ilegal. Todo país que quiser construir uma barreira na fronteira pode fazê-la. Mas aqui, nem sempre o muro é construído em cima da fronteira, mas sim dentro do território palestino, tirando o direito à terra de quem é o seu proprietário.
O checkpoint também não é ilegal, em todas as fronteiras existem guardas que conferem seus documentos. Mas aqui as condições do checkpoint e a forma com que as pessoas são tratadas, comumente humilhadas é que é o problema. E bem, caso a pessoa em questão seja israelense ela não precisa passar por tudo isso.
Bem...
Make hummus, not walls.

Tawayel novamente - escrito em 12/05/14


Duas semanas atrás Tawayel sofreu com demolições e três famílias ficaram sem onde morar. Há dois dias duas casas novas ficaram prontas, hoje de madrugada o exército apareceu lá de novo, e demoliu as novas casas, os banheiros e confiscou as tendas onde as famílias estavam morando.

A vila fica em área C, comandada por Israel, onde constantemente o exército confisca terras por motivos de segurança. Essas terras são fechadas para seus donos, e segundo a lei, se o dono não usar a terra por 3 anos ela se torna propriedade do estado. Normalmente essas terras são agregadas ou se tornam novas colônias ilegais israelenses dentro do território palestino. Outras vezes, em área C acontece como em Tawayel: casas são demolidas após serem avisadas por uma ordem para parar a construção. Comumente as casas já existiam muito tempo antes da ordem e estavam passando por alguma reforma ou manutenção. As vezes as casas simplesmente recebem ordens de demolição por estarem muito perto de terras ou estradas usadas por colonos israelenses. E a desculpa é sempre a mesma: segurança.

Sobre a 1ª demolição:
http://adezquadrasdaqui.blogspot.com/2014/04/palestina-4-demolindo-casas.html

Tawayel 3 - escrito em 18/05/14



Hoje, as 07:10h da manhã recebemos uma ligação de Tawayel, de novo a Administração Civil estava lá, com 3 Jeeps da polícia de fronteira. Quando chegamos lá vimos eles confiscando as 3 barracas onde as famílias estavam morando e uma betoneira. Do outro lado da vila uma ordem para parar a construção.
Segunda passada 2 casas (recém construídas) e 3 banheiros foram demolidos, e, 4 barracas e 1 lona usada pra cobertura na antiga mesquita foram confiscados.
Antes disso, no dia 29 de abril, 3 casas, 1 abrigo de animais, os banheiros e a mesquita.

Por que as pessoas não podem morar em suas próprias terras? Área C é a resposta.

Jiftlik Abu Al-Ajaj - escrito em 24/05/14

Foto: Sarah

Hoje nos fomos para Abu Al-Ajaj, no Vale do Jordao, onde, nessa quarta feira 36 estruturas foram demolidas. Por enquanto eles tem 10 barracas para morar, ddas pela Red Crescent, um banheiro portatil e a agua vem num caminhao pipa de uma vila ao lado. As ovelhas continuam no sol, a eletricidade vem de um "gato". E ha a possibilidade de o exercito voltar para demolir mais casas. A desculpa dessa vez foi a falta de permissao para construir.
A vila e vizinha de uma colonia ilegal israelense.

P.S. pós facebook: Essa barraca foi desmontada no dia seguinte por medo de o exército aparecer de novo.

Qalandya Checkpoint - escrito em 26/05/14

Foto: Ingar

Diariamente os palestinos que tem permissão para trabalhar em Israel passam por checkpoints como esse. Adultos com crianças, idosos e internacionais podem atravessar de ônibus, onde a permissão ou o passaporte são checados.
Todas as outras pessoas tem que descer do ônibus e entrar numa fila gradeada e esperar para passar em um dos guichês com detector de metal e mostrar a permissão para passar para o outro lado.
Em alguns checkpoints em um período de 2h chegam a passar até 8 mil pessoas, especialmente entre 4h e 6h da manhã.
Nesse dia passamos pelas 9h e tinham mais ou menos 10 pessoas na 1ª fila. Passamos a roleta e entramos na fila do guichê, depois de 3 pessoas passarem o guichê foi fechado e fomos para outro. Durante o tempo de espera vimos um homem que teve que voltar várias vezes e tirar mais coisas do bolso, sapatos, acessórios (assim como nos aeroportos), mas após alguns minutos ele foi autorizado a ir para o outro lado. Outro homem, que tinha a permissão na mão foi recusado, não se sabe por que. As vezes depende do humor dos soldados, as vezes podem dizer que é uma permissão falsa, as vezes a pessoa está na lista negra por ter participado de alguma manifestação, ser parente de algum preso, ou algum outro motivo. As outras pessoas passaram razoavelmente rápido.
No total, desde que entramos no checkpoint Qalandya, entre Ramallah e Jerusalém, foram 40min pra atravessar mais ou menos 30m. E posso dizer que não é uma experiencia muito boa, então só posso imaginar o que é fazer isso com mais 5mil pessoas.

Barreiras no Vale do Jordão - escrito em 27/05/14



Essa foto contém 4 imagens muito comuns aqui na Palestina.
- O aviso de cimento é um aviso de área de fogo, ou seja, área que o exército confiscou terras para treino.
- O aviso vermelho é: "esta estrada leva para área A, sob autoridades palestinas. A entrada para cidadãos israelenses é proibida, perigosa para sua vida e proibido pela lei israelense."
- A barreira de metal é um bloqueio para que os palestinos não usem a estrada.
- O monte de terra (nesse caso, terra nova, marrom mais escura) são bloqueios para que carros, tratores, e trabalhadores não passem para o outro lado da terra sem pedir autorização para o exército.

- Desde 67 o exército israelense começou a confiscar terras de fazendeiros no Vale do Jordão para usar para treinamento. Parte dessas terras ainda são usadas para esse fim, outras, após alguns anos se tornaram colonias ilegais israelenses e ainda algumas não são usadas e nem devolvidas aos seus donos. Enquanto essas terras vão para nas mãos dos colonos novas terras vão sendo confiscadas dos palestinos, para novos campos de treinamento. Até hoje alguns treinamentos são feitos próximos a residências, naturalmente causando desconforto e levando algumas pessoas a saírem de suas terras e por consequência o exército tomando posse da mesma.
- A Palestina está dividida em 3 tipos de áreas, A, B e C, sendo que A está sob autoridade palestina. Em área A, estão as grandes cidades; as vilas em área B, onde a autoridade se dá pela "colaboração" entre governos da Palestina e Israel; e a área C que está sobre total domínio das autoridades israelenses, e, onde está o Vale do Jordão.
- Estes portões em estradas são encontrados por todos os lados por aqui. Alguns costumam estar abertos, outros tem hora pra abrir, outros estão sempre fechados. Ou seja: o palestino que quiser ir para sua terra, tem que pegar uma segunda estrada que, comumente, é no mínimo o dobro mais longa que a bloqueada. Colonos israelenses podem passar pelos portões a qualquer momento.
- Os morros de terra são encontrados em estradas e campos onde o exército/governo israelense não quer que os palestinos passem. Nessa foto esse é o fim de um morro de mais de 3km impedindo que os fazendeiros cruzem a estrada principal para trabalhar do outro lado da via. Nesse caso além do morro ainda existe uma vala em algumas partes pra impedir os caminhões de passar por cima da terra.


Jalud - escrito em 31/05/14


Esse é Kemal, ele vive na Vila de Jalud que fica próxima as colônias ilegais israelenses Ahiya e Esh Kodesh. 
A casa que ele vive e as casas de seus irmãos há alguns meses tem que ser assim: com grades nas janelas. Não as grades decorativas que vemos aqui por todos os lados, mas uma tela de arame. O que aconteceu foi que há 7 meses atrás essas casa foram atacadas por colonos com os rostos cobertos e todos os vidros foram quebrados. Além disso, eles bateram com uma pedra na cabeça de uma das crianças da vila e até hoje ela tem a cicatriz.
Eles vivem no extremo da vila, a mais ou menos 300 m de Ahiya, quase no topo do morro, mas as crianças não podem brincar lá por que todos tem medo que os colonos achem que é provocação e ataquem novamente.
As grades foram doadas pela organização francesa Premiere Urgence.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Palestina #6 Day off em Belém, Bethlehem ou Beit Lehem

Depois de passar meus primeiros days off em Tel Aviv, em Israel, me sentindo em uma estranha bolha, onde os problemas não existem (mesmo lembrando deles o tempo todo), fui nessa semana pra Bethlehem aproveitar um quarto só pra mim, rsrsrs.

Foto: Sarah


Fomos até lá de taxi - aqui existem poucos ônibus, então existem vários táxis pra 7 lugares que já tem um preço fixo -, passando da Palestina para Jerusalém por um checkpoint de carro e de Jerusalém pra Bethlehem por um checkpoint a pé. O primeiro foi consideravelmente rápido, quase nenhum carro parado. O segundo estava vazio, pois chegamos em uma hora sem passagem de trabalhadores. Ao atravessar e andar algumas quadras, meu primeiro contato com o muro de separação. 8m de altura, câmeras e arames farpados. Ao chegar no hotel abro a janela e lá está ele, o muro, circundando uma casa, de um lado um campo de refugiados, do outro um lindo campo de oliveiras.

Foto: Sarah


Minha primeira caminhada ao anoitecer não me levou a nenhum ponto turístico (além do muro, é... pois sim...), mas já deu pra ter uma ideia de como é a cidade: ou tu sobe, ou tu desce. Lá pelas tantas a Sarah, que estava visitando o time de Bethlehem, me ligou e: "nós estamos indo pra uma aula grátis de dabca (dabke?), tás afim?" "YES!!" E lá fomos nós pro Alternative Information Center em Beit Sahour, junto com o Liam e a Cecilea ter nossa primeira aula de dança. Olha, o negócio cansa, mas é incrível!



No dia seguinte lá fui eu atrás da igreja da Natividade e do mercado da cidade antiga. A igreja está sendo reformada, tem muita coisa coberta, e o que não está coberto não parece lá muito bem conservado. Eu sei que era uma igreja, e não um museu, mas senti falta de saber as datas dos quadros e imagens. O que sei é que os poucos mosaicos que restam são do período Bizantino.



Fui no subsolo onde, dizem, está o lugar onde Jesus nasceu e o lugar da manjedoura. O primeiro marcado com uma estrela, o segundo algo que bem, não tenho ideia do que seja. Bem, não sei se é pelo fato de eu não acreditar que aquele é "oexatolocalondejesusnasceu", mas, é não vi muita coisa lá, não. Já o mercado é cheio de gente, lojas e bancas de frutas, doces e falafel, em algumas vielas uns museus (que estavam fechados por que fui na hora do almoço pro centro). O negócio é que andei até não poder mais!

Foto: Sarah


Na ultima manhã foi a vez de andar ao lado do muro e sentir o quanto ele demonstra a separação. Ao longo alguns depoimentos dados por mulheres palestinas sobre vários fatos que ocorreram por causa da ocupação ilegal da palestina. Graffitis dos mais variados, alguns Banksys. As câmeras no topo, e do outro lado um país aparentemente próspero, condomínios imponentes, estradas perfeitas, jardins verdes. É assustador ver o que está do outro lado do muro em comparação com o lado de cá, especialmente por saber que que um lado está bem em detrimento dos direitos dos palestinos.



Foto: Sarah
Mas pensando em tudo, é uma boa cidade pra ir e passear, bastante coisas pra turistas e também pra quem gosta de ir onde o povo vai, e não e lugares americanizados. Pessoas legais, uma doceria linda pra sentar e comer um knafeh e zilhões de lugares pra comprar lembrancinhas pra família inteira. E sim, dá vontade de voltar.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Palestina #5 Jayyus



Semana passada fui fazer uma visita a um outro time do EAPPI que está em Jayyus, mais a oeste, próximo a fronteira com Israel.

No dia que eu cheguei, de madrugada, o exército israelense fez uma incursão noturna na cidade: invadiram casas a procura de jovens acusados de atirar pedras em colonos israelenses. Pelas 4h da manhã 9 garotos foram vendados, tiveram as mãos amarradas com lacres plásticos e foram levados para algum lugar para serem questionados sobre as acusações. Algumas horas depois eles foram soltos. O time estava lá registrando tudo.

Cheguei no final da manhã e as coisas pareciam tranquilas naquele momento, saímos nas ruas pra descobrir quem eram os meninos e conversar com eles. Bem, quem nós encontramos não falava inglês, mas parecia bem, considerando o que ele tinha passado na madrugada.

Mais tarde fomos num encontro num centro cultural (Youth Club, na verdade) onde umas meninas de mais ou menos 16 anos se reúnem pra treinar seu inglês! Mohammed Assaf pra vocês ouvirem aí!



No dia seguinte, as 6:50h da manhã fomos até Zeita, uma vila passando Tulkarm para acompanhar um portão de agricultura. O que é um portão de agricultura (agricultural gate)? Basicamente é o seguinte: muitos colonos israelenses tomaram a terra dos palestinos para ter suas fazendas, mas logo ao lado ainda existem terras não ocupadas onde os palestinos ainda usam para agricultura. Acontece que essas terras, por questão de "segurança" foram gradeadas e a passagem é feita por somente alguns portões. Em Zeita, os portões abrem segunda, quarta e sexta das 7:00 as 7:15, das 12:00 as 12:15 e das 18:00 as 18:15. Caso alguém perca o tempo pra entrar, terá que esperar o próximo turno, caso alguém perca o tempo pra sair, irá dormir no campo. Quando nós chegamos lá, 10min antes as pessoas já estavam esperando, pra não ter chance de perder a hora.





Os portões foram abertos e as mulheres foram na frente. De três em três elas iam até o próximo portão e mostravam as permissões para trabalhar em suas terras do outro lado. Depois foram os homens. Por fim um homem com sua charrete e outro com um trator e algumas oliveiras e amendoeiras. Com o homem do trator as coisas demoraram mais e de repente vimos o homem voltando. Perguntamos se tinham negado a entrada, mas ele disse: "não posso entrar com as árvores por que elas não tem permissão". Pia, a outra EA que estava lá comigo ligou para uma hotline humanitária que costuma entrar em contato com os checkpoints caso haja algum problema, mas não havia tempo pro homem esperar: os 15 min de abertura do portão estavam passando e os soldados iam esperar por ele. Então ele deixou as árvores ao lado da estrada, antes do portão, e voltou somente com o trator, planejando tentar entrar por outro portão, outro dia, com as árvores.


Voltamos, e a tarde fomos a Tulkarm encontrar Ibrahim, que mora no campo de refugiados de Tulkarm, e andar por lá. E uau, se fosse num morro eu podia dizer que estávamos no Vidigal. Corredores apertados, o mesmo labirinto, mas sem as escadas. O campo existe desde 1948, quando oficialmente Israel se tornou independente e grande parte da terra da cidade se tornou parte de Israel, junto com pessoas de outras cidades e vilas que agora são território israelense. E depois fomos conhecer Mouna, parte de uma das duas únicas famílias cristãs da cidade.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Palestina #4 Demolindo casas



Ontem, as 4:55 da manhã recebemos uma ligação aflita do nosso motorista: o exército israelense estava em Tawayel (ou Tell All Khashaba) com ordens de demolição para a mesquita da vila. No susto, nos arrumamos e fomos correndo pra lá. Há mais ou menos 1km da vila, fomos parados por soldados, armados até os dentes, fomos questionados sobre o que fazíamos lá, verificaram nosso passaporte e mandaram a gente voltar para o topo do morro por que ali, naquele momento foi decretado provisoriamente "área militar fechada". Voltamos, e enquanto isso, ainda noite, vimos de longe uma escavadeira começando a demolir a mesquita. O oficial (que descobrimos não ser do exército, mas da policia de fronteira), então, chamou um dos EA's (Acompanhante Ecumênico), o Jan, pra fazer algumas perguntas e ele falou sobre mais 8 casa que seriam demolidas ali. A gente não acreditou. Sim, ao sairmos do carro, vimos mais 3 escavadeiras e elas já estavam demolindo as outras casas da vila.
No total foram 3 casas, 2 abrigos de animais, banheiros, a mesquita, a cisterna, caixas d'agua.




Ficamos durante 3h esperando a liberação pra podermos ir para Tawayel, enquanto mais organizações, pessoas e jornalistas chegavam esperando pra saber o que acontecia lá embaixo. Na nossa volta 50 policiais com M16 e lançadores de bombas de gás. Lá embaixo mais 250.
Meio difícil de entender o por que de 300 policiais pra demolir as casas de 30 pessoas, sendo amaioria crianças. Também difícil entender por que proíbem todos de chegar perto, ou de saber como estão as pessoas despejadas.





Ao descermos o morro, as 8:15, não tinha muito o que dizer. Tudo no chão, as pessoas na volta querendo saber o que tinha acontecido, vários fotógrafos de jornais tirando fotos de todos os ângulos, as pessoas apavoradas.



Após algumas horas eu a a Sarah, outra EA, fomos conversar com as mulheres de uma das casas demolidas. Conversar não é bem a palavra já que meu árabe praticamente inexiste e a Sarah sabe algumas (boas) palavras. Fomo lá ficar com elas. E aí vem um grande ponto: elas estavam numa caverna, onde elas fazem o dibni (queijo de cabra) e nos receberam com queijo, pão de taboon, e leite. Nos mostraram como elas faziam a última etapa do queijo, e foram muito, muito amáveis. Voltamos um pouco pra ver como andavam as coisas lá fora e fomos novamente conversar com as mulheres. Dessa vez já haviam algumas outras pessoas, e um homem (o único que falava inglês) que começou a nos contar mais ou menos a história. Não foi muito tempo até todo mundo começar a sentir, a entender o que estava acontecendo.
Foi dolorido, é o que posso dizer.
A vila é localizada em área C, isso quer dizer que é território liderado por Israel, logo, não é autorizada construção nessa área e comumente as construções nessas áreas são demolidas. Em 2008 as casas receberam ordem de demolição, mas por várias decisões da justiça eles conseguiram mais tempo, mas  "mais ou menos a cada três meses, ele tem essa celebração", como disse o prefeito de Aqraba, sobre as constantes demolições desde um ano atrás.


Também é em área C que está a maior parte do Vale do Jordão, onde é a área de treinamento do exército, e as colônias ilegais israelenses.

Após algumas horas a Palestine Red Crescent Society chegou com 4 barracas para as famílias desabrigadas. Sei o quanto isso ajuda, mas ver os homens montando as barracas ao lado das casas demolidas, foi cruel. Pensar que aquelas famílias simplesmente vão ficar morando em barracas nesse verão foi demais pra mim. Cada vez fico mais chocada com o que vejo aqui, com a injustiça, a humilhação causada pelos israelenses sobre o povo palestino.


Queria terminar o texto de alguma forma legal, mas só me vem uma coisa a cabeça:
End the Occupation.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Palestina #3 Indo pra escola, a parte boa!

Uma coisa que existe aqui na Palestina que não é muito comum por muitos lados é a perseverança. Sério, eita povo forte!

Não é como fazer 1 mês de protesto e esperar uma ou outra coisa mudar. É fazer o mesmo protesto todos os dias por anos, levar bomba de gás, ser preso, agredido, e continuar lutando pelos seus direitos.

E ontem, depois de escrever o que acontece nas escola aqui resolvi colocar o outro lado da história também. Não vá pensando que tudo está perdido, a gurizada da escola se diverte aqui também (e nós, consequentemente).

Segunda passada na escola de As-Sawia aconteceu um m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o evento esportivo, rsrsrs. Vários exercícios coordenados pelo prof de educação física. O mais lindo foi o primeiro, que (óun) eles formaram a bandeira da Palestina.



Depois, teve uma apresentação que, bem, não tenho ideia de onde classificar... ginástica? Equilibrismo? 



E aí a incrível apresentação de Dabca, a dança tradicional daqui da terrinha! Muito, muuuito massa!




Aí, já não bastava estar legal, teve uma partida de basquete dos professores e funcionários com o EAPPI! Yes! Há dias eu não ria tanto! (é, eu fiquei filmando e fotografando). Só não me pergunte quem ganhou...



E hoje na escola em Burin, quando nós chegamos, eles estavam jogando basquete também! Alunos contra professores (e convidados, mas dessa vez ninguém do EAPPI entrou. Opa! Sim! Ghassan, nosso motorista tava lá arrasando).







 Acho que é isso, e pra terminar, uma das melhores mensagens que ouvi sobre educação aqui na Palestina. E sim, a gente pode ver em todo lugar a relação dos professores e diretores com os alunos e ela é simplesmente maravilhosa.

Beijos, e que tudo fique melhor.



quarta-feira, 23 de abril de 2014

Palestina #2 Indo pra escola

CONCENTRE-SE. CONTE A HISTÓRIA.

Até onde eu me lembro, ir pra escola era muito legal. Todo dia era um horror pra sair da cama, mas depois de chegar na escola e estudar (ou conversar, ou ir pra educação física, qualquer coisa...) tudo passava. Acredito também que não tenha acontecido nenhum grande incidente na escola enquanto es estudei além de alguma briga de adolescente no pátio, ou alguém escorregar no ovo e quebrar a perna, rs.
Aqui na Palestina a escola também é um lugar legal pra ir, a gurizada vai de manhã com toda pilha, dando trezentos "his" pra gente, e também uns "sabah el kheer" (ou de outra forma que se transcreva bom dia em árabe) e perguntando nossos nomes e como nós estamos. Os profs são muito bons, o ambiente também... Mas peraí... tem algo errado na parte do ambiente.

Aqui nós fazemos presença protetiva em 3 escolas de vilas próximas e acompanhamento das crianças daqui de Yanoun até elas entrarem na van escolar.

PAUSA. CONCENTRE-SE PRIMEIRO EM RECEBER A MENSAGEM

  • Em Yanoun a escola tem apenas 7 alunos que moram consideravelmente perto da escola. Só que em volta de Yanoun existem 3 colônias ilegais israelenses e há algum tempo atrás os colonos desciam para assustar as crianças na ida pra escola e elas começaram a ficar com medo de pegar o ônibus. Desde então todos os dias pelas 07h da manhã alguém do nosso grupo vai até perto das casas até as crianças entrarem na van.
  • Em As-Sawia nós fazemos um acompanhamento 2 ou 3 vezes por semana, dependendo de como andam as coisas durante a entrada da escola pois comumente soldados israelenses fazem guarda em frente a escola para amedrontar as crianças. As vezes eles fazem "flying checkpoint" que são como blitz, próximos a escola e revistam crianças e professores, sem exatamente um motivo para fazer isso. Há algum tempo atrás eles invadiram a escola (bombas de som e gás lacrimogênio inclusos no pacote) e detiveram um menino o acusando de ter jogado pedra em colonos. Há pouco mais de duas semanas o exército não aparece lá. Estamos todos felizes.
  • Em 'Urif vamos a cada 2 ou três semanas, pra acompanhar, por que ultimamente as coisas estão calmas lá. A escola já foi alvo de ataques de colonos (na nossa primeira visita em 'Urif vimos um vídeo desse dia e digo que sim, é assustador. Eles gritam e jogam pedras e chamam o exército pra protege-los de qualquer reação pelo lado palestino) e do exército também. Mas há algum tempo existe uma obra de encanamento ao lado da escola, patrocinada pela US Aid, e a US Aid com medo que alguém quebrasse a as obras que beneficiam os palestinos, colocaram câmera na escola. Agora eles estão oficialmente protegidos, ou se não protegido, pelo menos qualquer agressão será registrada por uma organização internacional.
  • Por fim, existe a escola para garotos em Burin que só na última semana foi atacada pelo exército 2 vezes. Quinta feira passada após uma manifestação feita no dia anterior na vila, o exército parou uma obra de estrada e montou um flying checkpoint em frente a escola durante a entrada dos alunos. O costume é de os soldados provocarem os alunos esperando que eles respondam ou joguem pedras para eles poderem prender (sim, lembra, eles prendem crianças) ou atacar as crianças. Mas quando os professores veem os soldados eles fazem o máximo para as crianças entrarem o mais rápido possível sem conflito. Só que nem sempre fica por isso mesmo. Nessa quinta, assim que todos alunos entraram e os professores fecharam os portões, o exército jogou 2 bombas de som dentro do pátio da escola. Nessa segunda, após um dia maravilhoso na escola em As-Sawia, recebemos uma ligação do diretor da escola de Burin dizendo que o exército estava lá querendo invadir a escola...
PAUSA.

(Antes de terminar de contar a situação, só quero que por trás dos olhos, na mensagem passada esteja a sua lembrança de ir pra escola, estar lá e voltar pra casa são e salvo.)

CONTINUA.

  • ...Quando nós chegamos haviam 4 Jeeps com soldados armados até os dentes. Pouco antes de a gente chegar eles lançaram 2 bombas de som e 4 de gás lacrimogênio dentro do pátio da escola. O motivo?
PAUSA.
RESPIRAÇÃO LONGA, BOCA FECHADA, OLHAR INTERNO.


  • Na hora do intervalo as crianças viram um carro parado no terreno atrás da escola. Esse terreno foi confiscado no início do ano, logo, se alguém está lá ou são colonos ou o exército. As crianças levam isso como provocação - já não basta terem roubado nosso terreno ainda vem aqui ficar olhando por cima do muro o que fazemos. Nesse dia não era o exército, nem algum colono, era um carro da polícia israelense. Os alunos, antes de os professores perceberem, começaram a atirar pedras em direção ao carro. Done. Poucos minutos depois, pra conter uma ou duas centenas de alunos, chegaram os 4 Jeeps, com soldados armados com suas M16 e jogando bombas na escola.
PAUSA. BUSQUE EMPATIA COM O PERSONAGEM.

  • Quando chegamos o oficial estava gritando com o diretor e professores e mais alguma pessoas da comunidade. O que ele disse foi: "se alguma outra vez eu ver algum aluno jogando pedras em alguém, pode ter certeza que eu vou ter soldados entre as árvores e vou atirar bem no meio do peito dele".
PAUSA.

  • Alguns minutos depois eles foram embora.
FIM DO TEXTO. MANTENHA A AÇÃO DENTRO DO SEU CORPO, MOSTRE NO OLHAR.

INSPIRE. PRONTO.

E eu só quero saber, como uma criança vai voltar a prestar atenção em aula depois de toda essa ameaça.
Só isso.


P.S.: Na foto um Jeep do exército atrás da escola, na terra confiscada, no lugar onde havia o carro da policia. Essa foto foi tirada logo que os 4 Jeeps foram embora da escola, quando nós chegamos lá.

sábado, 19 de abril de 2014

Palestina #1

Depois de 17 dias além mar, 5 dias em Yanoun, interior da Palestina, resolvi começar a colocar aqui algo do que vejo todos os dias.
Isso não quer dizer que desde o 1º dia aqui eu não quis escrever nada, muito pelo contrário, o que mais queria era escrever, mas sabe, escrever aqui na Palestina é mais difícil. É difícil não escrever algo cheio de sentimento, de raiva, angustia, amor, indignação, admiração. Tudo junto ou tudo separado. Aqui a vida é difícil.



Pra tentar situar alguma coisa por aí e por aqui (na minha cabeça), acho que começar com alguns conceitos e explicações pode ser bem interessante. então, aí vai:

Tô aqui na Palestina participando do EAPPI, ou em português Programa de Acompanhamento Ecumênico para Palestina e Israel. O que isso quer dizer? que não somos contra ou a favor de palestinos ou israelenses, somos a favor dos direitos humanos. Logo, qualquer violação dos direitos humanos que nós vermos será documentado e enviado para as organizações relacionadas.

O que acontece por aqui?
  • Crianças são presas (a criança mais nova presa aqui tinha 5 anos). Em As-Sawia, no inicio do ano, o exército israelense invadiu o colégio pra prender um menino que foi acusado de atirar pedras em colonos. Mas bem, o exército não tinha certeza de quem era (ou se era verdade) e escolheu um dos garotos da escola, simples assim.
  • Adultos e jovens são presos sem motivos durante protestos, incursões noturnas do exército em vilas, acusados de atirar pedras. Aqueles que são presos tem as mãos amarradas e os olhos vendados até chegar no lugar onde será questionado.
  • Existe um muro separando Israel da Palestina. Segundo as leis internacionais esse muro é legal se construído sobre as linhas de divisa dos países. Aqui o muro foi construído dentro o território palestino, ampliando o território israelense ilegalmente e separando pessoas de suas terras.
  • O exército ou a policia não tem poder sobre os colonos israelenses.





Também estamos aqui pra contribuir com o fim da ocupação ilegal da terra palestina feita por colonos israelenses. Como assim? Colonos?

  • Sim, ilegalmente israelenses apossam de terras de palestinos e constroem suas colonias residenciais ou agrícolas. Na região que estou, no espaço de 10 vilas palestinas existem 22 colonias ilegais.
  • Os colonos costumam ser agressivos, até hoje só ouvi uma história de colonos que vão fazer compras na vila mais próxima. A maioria anda armado e se vem algum palestino próximo ao que dizem ser "suas terras" normalmente ameaça verbalmente, agride e/ou chama o exército para tirar o palestino de perto. Usualmente o exército é tão agressivo quanto o próprio colono.
  • De vez em quando os colonos queimam ou cortam as árvores do moradores. Incontáveis vezes eram oliveiras centenárias.
  • O exército confisca áreas de terra para uso em treinamentos, especialmente no Vale do Jordão. Andando por lá o que mais se vê são áreas com placas de "perigo área de treinamento" sem nunca ver alguém treinando lá.
  • Acontece também de essas terras confiscadas, algum tempo depois, se tornar parte de alguma fazenda ilegal israelense.
  • Mesmo depois de alguns palestinos conseguirem de volta suas terras eles ainda são atacados, suas plantações destruídas ou bloqueadas.
  • Casas são demolidas sem justificativa.
A partir de hoje vou postar aqui tudo o que vejo, as vezes o que sinto e espero assim, mostrar pra quem quiser ver como é viver sob opressão.

Até mais, e sem peixes hoje.