xmlns:og='http://ogp.me/ns#' A dez quadras daqui.: novembro 2014

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O homem é bom?

O tempo voa, a gente faz um milhão de coisas e quando vê já passou mais uma semana! Cheguei a comentar um pouco sobre meu belo dia de descanso na Palestina (fui até o famoso Mar Morto, visitei um incrível sítio arqueológico -o Palácio de um Kalifa do século oito- e 'turistei' pela boa e velha Jericó) mas não falei mais nada sobre o meu trabalho aqui. Claro, o cansaço e a falta de tempo colaboraram, mas não foi só isso. A dificuldade em processar certos acontecimentos do dia anterior aquele sábado de folga foi o que, principalmente, me manteve longe do teclado...

Mas, antes tarde do que nunca: vamos aos fatos. Naquela sexta-feira, fomos a Al Aqba, um vilarejo no extremo norte da Palestina, encontrar duas famílias que tiveram estruturas demolidas pelo exército israelense; uma teve seu abrigo de animais demolido enquanto a outra teve sua casa destruída (nesta época o exército estrategicamente promove mais demolições pois é o início do inverno e das chuvas). Mas essa não foi a pior parte.

Sabíamos o que nos esperava nessa vila (e por pior que possa parecer, eles estão acostumados com as demolições), fora o fato dela estar situada em um vale cercado por morros declarados área de treinamento militar israelense (sim, eles promovem tiroteios frequentes sobre as cabeças dos palestinos. Faz parte do dia-a-dia). Mas, como se isso não fosse suficientemente chocante para um belo e ensolarado dia de Novembro, recebemos outra notificação,esta sobre a demolição de três abrigos agrícolas.

Abdallah Sawafta observando os escombros.

No centro de Bardala, outro vilarejo da região norte, conversamos com um amigável senhor de 80 anos, Abdallah Sawafta, que pôde nos guiar facilmente até o lugar do incidente. Ao chegar lá, descobrimos que o objeto das demolições não eram tendas para equipamentos agrícolas. Eram casas. Sim, seis casas de pequenos agricultores, cada família com cerca de três crianças com idades entre 2 e 15 anos, sendo que duas famílias com crianças de colo, uma delas com apenas alguns dias de vida.


Foi estarrecedor. Mesmo se tivéssemos alguma informação anterior, eu jamais estaria suficientemente preparado. Conversamos com as famílias, documentamos seus relatos e vimos os escombros depois do acontecido. Cinco minutos. Foi o tempo que o exército estabeleceu para que retirassem seus pertences de dentro das casas. E para uma das famílias, nem 5 minutos: pudemos ver brinquedos, roupas e os poucos eletrodomésticos que tinham misturados aos escombros e a grande quantidade de sujeira (depois de demolir, a escavadeira utilizada no "trabalho" joga dejetos sobre os escombros para dificultar uma possível reconstrução). Isso acontece há anos aqui e eu já estava ciente mas, mesmo assim, ver com os próprios olhos um grupo de  famílias inocentes, que trabalham de sol a sol, ao lado de clareiras onde antes estavam suas casas (inclusive as fundações foram destruídas) foi assombroso. E mesmo após essa tragédia, eles ainda nos receberam carinhosamente com chá em frente as suas novas casas: tendas doadas pela Cruz Vermelha.


Após tudo isso, Abdallah nos convidou para um café na casa dele. Estávamos terrivelmente cansados mas mesmo assim achamos que era, no mínimo, de bom tom aceitar o convite. Ao chegar lá, fomos muito bem recebidos por sua família com café, chá e comida; sou obrigado a dizer que foi uma das melhores refeições que fiz por aqui, onde tudo na mesa era caseiro (e saído direto da plantação deles, obviamente). A casa estava cheia e Abdallah nos apresentou seus filhos, netos e netas pois era dia de reunir a família. Tivemos uma conversa inacreditável onde ele nos contou sobre a vida na comunidade atualmente e sobre os velhos tempos, cerca de 50 anos atrás, antes da ocupação. Nas palavras dele: "Hoje, os que vem de fora (os israelenses nos assentamentos ilegais) nos odeiam e nos atacam. Há muitos anos atrás, nós costumávamos viver em paz como uma única família. Os judeus frequentavam nossas festas e nós, as deles. Agora, tudo isso é passado."

Depois de um longo dia, entramos novamente no carro e voltamos em silêncio; cabeças cheias e corações pesados...

Folga!

Postado no Facebook, em 08/11/2014, às 16:05hs.

Depois de um mergulho relaxante no Mar Morto (mergulho não; porque não é pra mergulhar nem engolir a água, tava na plaquinha de aviso aos banhistas) e de um passeio pelo Palácio do saudoso Hishām ibn ʿAbd al-Malik (um lugar muito massa apesar de meio quebrado, mas não dá pra culpar o cara né, afinal, depois do terremoto de 747...) estou aqui curtindo um capuccino macanudo (porque nem só de café turco vive o homem na Palestina) no centro de Jericó. Umas gurias num papo animado com narguilé num canto, um casal aproveitando a tarde com café e shisha (que é como todo mundo chama o narguilé aqui, o qual é mania nacional, todo mundo cai dentro), uns guris de boa no outro e umas músicas árabes bombando no fundo. Ah, se estiver de bobeira aí, dá uma passada pra gente trocar dois dedos de prosa, tô na mesa do fundo (afinal, não é todo dia que eu tenho folga)! 

domingo, 9 de novembro de 2014

Visitando a Terra Santa


Já fazem 4 meses que voltei da Palestina e Israel, 4 meses sentindo uma saudades imensa de tanta coisa de lá. Agora que o Rafael está pelo EAPPI em Jericó, então, minha vontade de voltar é maior ainda.

Durante os 3 meses que estive no Oriente Médio vi e vivi tantas situações contrastantes, especialmente por estar circulando entre Israel, que é um país que se orgulha por suas semelhanças com alguns lugares europeus, e a Palestina, lugar onde se respira a cultura árabe. Situações como ser perguntado se você está armado para entrar em um shopping center em Tel Aviv a sentar e tomar um chá em uma tenda em meio ao Vale do Jordão. Visitei uma sinagoga na celebração do shabat e vi o exército israelense destruir uma mesquita.

Times de Yanoun e Jayyus em Burqin, Palestina, dentro de uma caverna construída para ser usada como igreja na época em que os cristãos eram perseguidos pelos Romanos.
Entre tudo isso (e mais um pouco) visitei lugares por conta própria, além daqueles que estavam dentro do programa do EAPPI.

Pretendo escrever um pouco sobre alguns lugares que eu fui. Alguns fazendo referências ao conflito, outros que fui somente para tentar descansar a cabeça de tantas situações chocantes que fazem parte do dia a dia dos palestinos.

Estes posts saíram da ideia de que a maioria das pessoas que vai para esses dois países não sabe exatamente o que está acontecendo, sabe pela televisão o que aconteceu em Gaza, mas não o que acontece diariamente na Cisjordânia. Pessoas que vão em grupos de turismo visitar a Terra Santa, que vão a Belém ou ao Rio Jordão e acreditam que isso tudo está dentro de Israel. E pra não restar dúvidas, sim, é tão possível pessoas atravessarem o mundo e não saberem onde estão que, pouco antes do Rafael ir pra lá, conversando com os pais de uns conhecidos descobrimos que eles estiveram lá, mas... O Rio Jordão fica em Israel! Nós não fomos pra Palestina. E depois de 20 anos de viagem feita eles descobriram que sim, estiveram na Palestina.

E até o próximo post!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

...mas diferente de todas as outras.

 Comecei a semana falando um pouco sobre semelhanças mas, agora, quero falar sobre diferenças. No Brasil eu trabalho como concursado em uma prefeitura gaúcha há 3 anos, de segunda a sexta, como fiscal de obras, fazendo vistorias para liberação de alvarás de funcionamento, monitorando obras em andamento, atendendo a denúncias de construção irregular entre outras atividades dessa ordem.

 Aqui, na Palestina, trabalho como voluntário em um programa humanitário internacional há 2 semanas e meia (e tenho mais 2 meses e meio pela frente), de segunda a segunda (mas com algumas folgas obrigatórias), provendo presença protetiva para comunidades vulneráveis, monitorando e reportando abusos aos Direitos Humanos e auxiliando palestinos e israelenses em seus esforços pela paz.

 Dito isto, segunda-feira meu grupo estava pronto para começar a semana com uma agenda bem planejada mas, como nem tudo são flores na vida, as coisas aconteceram de modo diferente e nossa primeira tarefa do dia foi atender a um incidente urgente: uma demolição de unidades residenciais em uma comunidade de beduínos não muito longe de Jericó. A cultura milenar dos beduínos faz parte do que é a Palestina e, por mais que eu esteja familiarizado com os problemas nesta terra há tempos (graças ao Fórum Social Mundial sediado em Porto Alegre há uns 10 anos atrás), acho que nunca estaria preparado o suficiente para o tipo de situação que estava prestes a encarar.

 Chegamos no local depois do acontecido, às 11hs (não tinhamos contatos locais, logo recebemos a informação tardiamente). Três amontoados de material retorcido deixavam claro o que acontecera. Algumas crianças apenas observavam com olhar meio perdido, outras corriam e brincavam sobre os escombros enquanto dois garotos, de pé, continuavam o que parecia ser sua lição de casa. Uma ong estava no local tomando notas e conversando com o representante da comunidade. Alguns homens estavam sentados em pedras, reunidos em silêncio, um clima denso de velório no ar...

 Em poucas palavras, o Mukhtar da comunidade nos explicou que, por volta das 9hs da manhã, o exército israelense apareceu (cerca de 25 a 30 soldados em jipes) escoltando duas escavadeiras e destruiram as casas de duas famílias e um abrigo para animais sem nenhum aviso prévio. O que é ilegal segundo as leis internacionais (vai contra a Quarta Convenção de Genebra) e, acredite se quiser, até contra as leis israelenses (que exigem que ordens de demolição sejam entregues antecipadamente, por mais injustas que elas sejam).
Foto por I. Tanner.
 Vivenciar essa situação esfacelou o meu dia; depois de passar cerca de uma hora naquela cena de filme, ouvindo o relato daquela gente e vendo os resultados dessa "ação militar" israelense (em território palestino), não pude mais funcionar propriamente. A noite, minha cabeça ainda estava tão cheia que, apesar do cansaço do dia, só consegui dormir perto do amanhecer. Hoje só consigo lembrar das palavras do nosso motorista, que ao me ver abalado na volta para o carro, depois do acontecido, disse: "Eu sei que é ruim, que é difícil. Mas esse é o nosso dia-a-dia. E pode ter certeza, em breve, tu te acostuma."

 E essa foi minha primeira segunda-feira de trabalho no Vale do Jordão, uma segunda como qualquer outra... Na Palestina.

Uma segunda-feira como outra qualquer...

O texto abaixo foi minha primeira publicação a respeito desta aventura na Palestina, postado em 3 de Novembro de 2014, às 8:03hs de segunda-feira, no Facebook. Daqui para frente pretendo compartilhar essa experiência que estou vivenciando através deste blog, onde a Carina (que esteve aqui uns meses atrás) também expôs o que ela viu e sentiu na sua passagem por esta terra.

 Acordei não faz muito, com o barulho dos carros passando e das crianças correndo e gritando aqui na frente do prédio. Está calor e daqui há pouco mais tenho que tomar banho, engolir o café da manhã e sair, um monte de coisas para fazer. Uma segunda-feira como outra qualquer, não fosse o fato de que estou em Jericho, Palestina, a cidade mais antiga do mundo, a 260 metros abaixo do nível do mar.
Fazem umas duas semanas que aportei por estas bandas da dita Terra Santa e só agora consegui escrever algo aqui, pois é tanta coisa ao mesmo tempo que eu mal consegui parar para botar as ideias no lugar.

 Pretendo falar muito (muito mesmo) sobre o que eu tenho visto e experienciado aqui mas neste primeiro momento, o que mais me chama a atenção e quero compartilhar é a similaridade. Todo mundo no Brasil (pelo menos uma grande maioria) acha, graças ao que a mídia nos vende, que aqui é algum tipo de outro mundo, um lugar exótico totalmente diferente da nossa sociedade, quando na verdade tem tanta coisa parecida com o Brasil que eu fico de queixo caído. A alegria das pessoas, a correria do dia-a-dia, a hospitalidade... Claro que existem muitas diferenças, é óbvio, mas para mim o mais surpreendente no momento são as semelhanças.

 Eu realmente não sabia o que esperar quando vim para cá mas acho que a hospitalidade e a naturalidade com que eles recebem as pessoas aqui é incrível. Tenho sempre aquela sensação comigo de cidade do interior (mesmo no centro fervilhante de Jericó) onde todo mundo se conhece e está disposto a trocar dois dedos de prosa e te oferecer um mate na varanda. Só que aqui ao invés de mate, é chá ou café.